Thierry Meyssan
As reuniões da cimeira G7, que eram originalmente simples conversas, totalmente
informais entre líderes ocidentais, criaram o desejo do Grupo se transformar num
governo mundial, antes de se afundarem e de se tornarem num exercício de
comunicação. A cimeira de Ise-Shima passou em revista os problemas principais do mundo, definindo para cada um deles, os elementos da linguagem a empregar.
REDE VOLTAIRE | DAMASCO (SÍRIA) | 30 DE MAIO DE 2016
A primeira reunião do G5 em Rambouillet
(1975).
O G7 acaba de
se reunir em Ise-Shima (Japão). Mas enquanto éramos inundados pelas [notícias]
das cimeiras anteriores, esta cimeira actual foi apenas aflorada pela imprensa
internacional. É que esta reunião mudou profundamente de objectivo.
Na sequência do
primeiro choque petrolífero, em 1974, cinco ministros das Finanças (Alemanha
Federal, França, Japão, Reino Unido, EUA) reuniram-se, sem ordem do dia, na
biblioteca da Casa Branca, apenas para trocar pontos de vista. Foi o «Library
Group».
Baseados neste
modelo, os dois únicos sobreviventes deste grupo, Valéry Giscard d’Estaing, que
se tornara Presidente da República Francesa e Helmut Schmidt, que se tornou
Chanceler da Alemanha Federal, tomaram a iniciativa de convidar, no ano
seguinte (1976 ), para o castelo de Rambouillet, os chefes de Estado e de
Governo dos mesmos países e também da Itália, afim de trocar pontos de vista
sobre as grandes questões do momento. Na altura, as cimeiras internacionais
eram raras e extremamente formais. Este Grupo G6 contrastava, pela ausência de
protocolo, pelo seu carácter simples, descontraído e amigável, numa atmosfera
de clube privado. As discussões eram proferidas directamente em Inglês, sem
tradutores. A reunião era anunciada no último momento. Não havia uma ordem do
dia, nem jornalistas.
Em 1977,
convidaram também o Primeiro Ministro do Canadá (G7), e a partir de 1978 o
presidente da Comissão Europeia. Em 1994, o Presidente russo foi convidado e
oficialmente integrado em 1997 (G8). Com efeito, os Ocidentais estavam
convencidos de que, após o colapso da URSS, a Rússia estava prestes a juntar-se-lhes,
de modo que eles iam criar em conjunto, um mundo unipolar e dominá-lo. Foi a
época em que se constituiu uma classe dirigente transnacional com uma ambição
sem limites. Essa mesma classe imaginava poder colocar de parte o Direito
Internacional e substituir o Conselho de Segurança das Nações Unidas para
governar o mundo sem qualquer contrôlo.
Em 2000, o G8
apoiou a proposta de Paul Wolfowitz e do Banco Mundial para anular a dívida dos
países mais pobres. No entanto, havia uma pequena condição : esses mesmos
países tinham de liberalizar totalmente a sua economia, a fim de que os grandes
grupos multinacionais os pudessem pilhar sem restrições. Dos 62 países
abrangidos, apenas 9 Estados aceitaram este engôdo. A tomada de posição do G8
deu origem a um movimento anti-globalização em todo o mundo. Aquando da cimeira
seguinte, em Nápoles (2001), a repressão das manifestações provocou um morto. Então,
foi decidido que, desse momento em diante, essas cimeiras se realizassem fora
das grandes cidades, ao abrigo de uma protecção policial e militar importante.
Poder-se-ia maquinar o que se desejasse, fora de olhares curiosos.
Mas, em 2013,
as coisas correram mal : Vladimir Putin estava de regresso ao Kremlin e os ocidentais acabavam de reiniciar a guerra contra a Síria, apesar dos
compromissos negociados por Kofi Annan e confirmados pelo Comunicado de
Genebra. A Cimeira de Lough Erne transformou-se num confronto de 1 contra 7.
Devia aplicar a sua atenção na luta contra os paraísos fiscais, mas a discussão
foi açambarcada pela viragem ocidental contra a Síria. No ano seguinte (2014),
após o golpe de Estado, em Kiev, a divisão da Ucrânia e a adesão da Crimeia à
Federação da Rússia, a Alemanha constatou que a confiança entre os
participantes estava dividida e que a reunião não podia realizar-se da forma habitual. Os ocidentais decidiram
anular, precipitadamente, a sua participação na Cimeira de Sochi e reuniram-se,
sem a Rússia, em Haia (Holanda). O G8 menos 1, voltava a ser o G7.
Há 42 anos, a
Cimeira foi concluída por uma breve declaração, indicando os assuntos
económicos que haviam sido abordados e sublinhando a coesão do bloco Ocidental.
Rapidamente, os comunicados tornaram-se mais longos, afim de tranquilizar os
investidores internacionais de que nenhuma decisão importante era considerada
nesta reunião secreta. A partir do convite da Rússia e da chegada de inúmeros
jornalistas, foi adicionada uma declaração política visando mostrar que o mundo
se unia em torno de Washington. Depois, começou-se a publicar longas
dissertações sobre o estado do mundo e sobre a boa vontade dos poderosos em
melhorá-lo. Mas nunca nenhuma decisão foi tomada pelo G8 de maneira inequívoca. No máximo, anunciaram-se compromissos que se apressaram a esquecer (como
erradicar a fome no mundo), ou promulgaram-se Cartas que se apressaram a violar
(sobre as Fontes abertas, por exemplo).
A partir de 2001, o G8, que se proclama como sendo um governo mundial paralelo às Nações Unidas, na realidade, torna-se numa
reunião de concertação sem quaisquer desafios. Nesta fotografia, interdita para
publicação em vários países, vê-se o presidente Dmitri Medvedev embriagado, na
cimeira de 2011.
© Rede
Voltaire
No que se
tornou o G7
Dos nove
membros oficiais do G7, 2 falam a dupla voz : os Estados Unidos podem contar
com o Presidente da Comissão Europeia, o luxemburguês, Jean-Claude Juncker, o
qual teve de demitir-se das suas funções de Primeiro Ministro depois de ter
sido revelada a sua ligação à Gládio (Serviço Secreto da OTAN). A Alemanha, por
sua vez, apoia-se no presidente do Conselho Europeu, o polaco Donald Tusk, cuja
família está ligada aos Merkel, desde o início da Guerra Fria.
Agora, o G7 é
uma simples reunião de formatação. Os Estados Unidos e a Alemanha indicam o
discurso que os seus vassalos são instados a proferir. Milhares de jornalistas
assistem a esta grande missa. A Cimeira de Ise-Shima publicou, no final, uma
longa declaração político-económica e seis documentos anexos que reflectem a
linguagem das elites dos EUA. Tudo está perfeito, pelo menos na aparência –
pois como iremos constatar - uma leitura aprofundada, mostra, pelo contrário, que essa declaração é escandalosa. Na introdução da declaração conjunta, os
membros do G7 sublinham os valores comuns, dos quais os quatro principais são :
- a liberdade
- a democracia
- o estado de direito
- o respeito pelos
Direitos do Homem.
Depois, afirmam a sua capacidade de garantir
- a paz
- a segurança
- a prosperidade do mundo.
Por fim, designam como prioridade :
- o crescimento
económico global.
Até uma
criança compreende facilmente que, ao afirmar que a sua prioridade é o
crescimento económico global, estas «personagens importantes » estão a borrifar-se
para os ideais e para os objectivos que proclamam.
(Continua…)
Adaptação para português europeu
Maria Luísa de Vasconcellos
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