May 23 2016, 4:50 p.m.
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O PAÍS
ACORDOU HOJE com a notícia das secretas e chocantes conversas
envolvendo um importante ministro do recém-instalado governo brasileiro, que
acendem uma luz a respeito dos reais motivos e agentes do impeachment da
presidente democraticamente eleita, Dilma Rousseff. As transcrições foram
publicadas pelo
maior jornal do país, a Folha de São Paulo, e revelam conversas
privadas que aconteceram em março, apenas semanas antes da votação do
impeachment na Câmara. Elas mostram explícita conspiração entre o novo Ministro
do Planejamento, Romero Jucá, e o antigo executivo de petróleo Sergio Machado –
ambos investigados pela Lava Jato – a medida em que concordam que remover Dilma
é o único meio para acabar com a investigação sobre a corrupção.
As conversas
também tratam do importante papel desempenhado pelas mais poderosas
instituições nacionais no impeachment de Dilma, incluindo líderes militares do
país.
As
transcrições estão cheias de declarações fortemente incriminatórias sobre
os reais objetivos do impeachment e quem está por trás dele. O ponto chave da
conspiração é o que Jucá chama de “um pacto nacional” – envolvendo as
instituições mais poderosas do Brasil – para empossar Michel Temer como
presidente (apesar de seus múltiplos escândalos de corrupção) e terminar com as
investigações uma vez que Dilma fosse removida. Segundo a Folha,
Jucá diz que o Impeachment levaria ao “fim da pressão da imprensa e de outros
setores pela continuidade das investigações da Lava Jato.”
Não está claro
quem é o responsável pela gravação e pelo vazamento da conversa de 75 minutos,
mas a Folha reportou que elas estão atualmente nas mãos do
Procurador Geral da República. Jucá é líder do PMDB, partido do presidente
interino Michel Temer, e um de seus
três homens de confiança. Novas revelações serão provavelmente divulgadas
nos próximos dias, tornando mais claras as implicações e significados destas
transcrições.
As
transcrições contêm duas revelações extraordinárias que podem levar toda a
imprensa a considerar seriamente chamar o que aconteceu no pais de “golpe”: um
termo que Dilma e seus apoiadores vêm usando por meses. Quando
discutia a conspiração para remover Dilma como um meio de finalizar a Lava
Jato, Jucá disse que as forças armadas do Brasil apoiam a conspiração: “Estou
conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os
caras dizem que vão garantir.” Ele disse ainda que os militares “estão
monitorando o MST,” o movimento rural de trabalhadores que apoia os esforços do
PT pela reforma agrária e redução da desigualdade, e que liderou protestos
contra o impeachment.
A segunda
revelação – e talvez mais significante – é a declaração de Jucá onde
afirma ter assegurado o envolvimento de juízes na Suprema Corte do Brasil,
a instituição apontada pelos defensores do impeachment como salvaguarda da
credibilidade do processo e utilizada para negar a teoria do golpe. Jucá
afirmou que “tem poucos caras [no STF]” a quem ele não tem acesso. O único
ministro da Suprema Corte que ele alega não ter contato é Teori Zavascki, que
foi apontado por Dilma e de quem – notavelmente – seria impossível obter apoio
para barrar a investigação (a ironia do impeachment é que Dilma protegeu a
investigação da Lava Jato da interferência daqueles que querem impedi-la). As
transcrições também mostram ele dizendo que “a imprensa quer tirar ela,” e que
“essa porra não vai parar nunca” – falando sobre as investigações – até que ela
saia.
As
transcrições fornecem provas para quase todas as suspeitas e acusações
expressas há tempos pelos oponentes do impeachment a respeito daqueles que
conspiram para remover Dilma do poder. Durante meses, os apoiadores da
democracia brasileira defenderam dois argumentos sobre a tentativa de remoção
da presidente democraticamente eleita:
(1) o propósito principal
do impeachment de Dilma não era acabar com a corrupção ou punir os corruptos,
mas justamente o oposto: proteger os verdadeiros corruptos dando-lhes poder com
a saída de Dilma e, logo, permitindo que terminassem com as investigações da
Lava Jato;
(2) os defensores do impeachment (liderados pela
oligarquia midiática nacional) não têm qualquer interesse em limpar o governo,
mas tomar o poder que jamais conquistariam democraticamente, para então impor
uma agenda de direita e a serviço das oligarquias, que a população brasileira
não aceitaria.
As duas
primeiras semanas do recém-instalado governo de Temer mostram grandes
evidências para ambos os argumentos. Ele nomeou vários ministros diretamente
envolvidos em escândalos de corrupção. Um importante aliado que vai liderar a coalizão de
seu governo na Câmara dos Deputados – André Moura – é um dos políticos
mais corruptos do país, alvo de múltiplas investigações criminais, não só por
corrupção mas
também por tentativa de homicídio. O próprio Temer está profundamente
implicado em casos de corrupção (ele enfrenta a possibilidade de se tornar
inelegível pelos próximos oitos anos), e está correndo para implementar uma
série de mudanças de direita e orientadas para as oligarquias do país, que o
Brasil jamais permitiria democraticamente, inclusive medidas, como
detalhado pelo Guardian, para “suavizar a definição de
escravidão, reverter a demarcação de terras indígenas, cortar programas de
construção de casas populares e vender ativos estatais em aeroportos, serviços
públicos e os correios”.
Mas, ao
contrário dos acontecimentos das últimas semanas, essas transcrições não são
meras evidências. Elas são provas: provas de que as principais forças por trás
da remoção da Presidente entenderam que removê-la era o único meio de se
salvarem e de evitarem que sejam responsabilizados por sua própria corrupção;
provas de que os militares brasileiros, as principais organizações de mídia, e
sua Suprema Corte foram conspiradores ativos na remoção da presidente
democraticamente eleita; provas de que os agentes do impeachment viam a
presença de Dilma em Brasília como garantia de que as investigações da Lava
Jato continuariam; provas de que nada daquilo tinha a ver com a preservação da
democracia brasileira, mas com sua destruição.
Por sua parte,
Jucá admite que essas transcrições são autênticas mas insiste que foi tudo um
mal-entendido e que seus comentários foram retirados do contexto, chamando
isso “algo banal.” “Aquela conversa não é um pacto sobre a Lava Jato.
É um pacto sobre a economia […] É um pacto para se tirar o Brasil da
crise,” disse
ele em uma entrevista, nesta manhã, ao blogger de política do UOL Fernando
Rodrigues. A explicação não é minimamente razoável à luz do que ele disse na
gravação, bem como da explícita natureza conspirativa da conversa, na qual Jucá
insiste numa série de encontros particulares, em detrimento de encontros em
grupo, para evitar suspeitas. Líderes políticos já
estão pedindo seu afastamento do governo.
Desde a
instalação de Temer como presidente, o Brasil tem visto intensos e crescentes
protestos contra ele. A mídia brasileira – que vem tentando desesperadamente
glorifica-lo – tem evitado a publicação de pesquisas por algumas semanas, mas
os últimos dados mostram que Temer tem apenas 2% de apoio e que 60% da
população querem seu impeachment.
A única pesquisarecentemente
publicada mostrou que 66% dos brasileiros acreditam que os
legisladores votaram pelo impeachment em benefício próprio – uma crença
reforçada pelas transcrições – enquanto apenas 23% acreditam que foi em prol do
país. Ontem, em São Paulo, a polícia colocou barricadas na rua onde fica a
residência de Temer por conta de milhares de manifestantes que se dirigiam ao
local; a polícia usou mangueiras e gás lacrimogêneo para dispersar os
protestos. O anúncio do fechamento do Ministério da Cultura levou artistas e
simpatizantes a ocupar secretarias de cultura em todo o país em protesto, o que
forçou Temer a reverter a decisão.
Photo: Andre
Penner/AP
Até agora, o The
Intercept, como a maioria da mídia internacional, se absteve de usar a
palavra “golpe” apesar de ter sido (como muitas outros meios de comunicação)
profundamente crítico da remoção antidemocrática de Dilma.
Estas transcrições
compelem a um reexame desta decisão editorial, particularmente se não surgem
evidências para pôr em questão o significado mais razoável das declarações
de Jucá ou seu nível de conhecimento. Um golpe parece, soa e cheia exatamente
como esta recém revelada conspiração: assegurando a cooperação dos militares e
das instituições mais poderosas para remover uma presidente democraticamente
eleita por motivos egoístas, corruptos e ilegais, para então impor uma agenda a
serviço das oligarquias e rejeitada pela população.
Se o
impeachment de Dilma continua inevitável, como muitos acreditam, essas
transcrições tornarão muito difícil a permanência de Temer. Pesquisas recentes mostram
que 62% dos brasileiros querem novas eleições para eleger seu
presidente. Esta opção – a opção democrática – é a solução mais temida pelas
elites do Brasil, porque elas estão apavoradas (com
bons motivos) com a possibilidade de que Lula ou outro candidato que as
desagrade (Marina Silva) possam ganhar. Mas essa é a questão: se, de fato, é a
democracia que está sendo combatida e aniquilada no Brasil, é hora de começar a
usar a linguagem apropriada para descrever isso. Estas transcrições tornam cada
vez mais difícil para as organizações de mídia evitarem fazê-lo.
Outros artigos recentes do Intercept sobre
o Brasil:
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