The
Intercept/Brasil
AS
RUELAS ESTREITAS são calmas e tortuosas, cercadas por campos
esverdeados e com raros sinais de vida, exceto os eventuais rebanhos de
ovelhas. Mas, no horizonte, destacam-se estruturas que se assemelham a bolas de
golfe gigantes, protegidas por uma grade perimetral coberta por arame farpado.
Aqui, no coração da tranquila região campestre da Inglaterra, fica a maior base
de espionagem no exterior da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA.
Anteriormente
conhecida apenas pelo codinome Estação de campo 8613, a base secreta — agora
conhecida como Estação Menwith Hill — fica localizada a nove quilômetros aos
leste da pequena vila de Harrogate, no norte de Yorkshire. Originalmente
destinada a monitorar as comunicações dos soviéticos durante a Guerra Fria, a
estação teve seu foco drasticamente alterado e, hoje, é parte fundamental da
rede de vigilância global em expansão da NSA.
Por
muitos anos, jornalistas e pesquisadores especularam a respeito do que
realmente se passaria dentro de Menwith Hill. Alguns políticos e grupos defensores
dos direitos humanos fazem campanha por maior transparência nas atividades da
estação. Contudo, o governo britânico sempre foi enfático ao se recusar a
discutir as atividades da base, alegando a velha política de não comentar
assuntos de segurança nacional.
Porém,
os documentos confidenciais recentemente obtidos pelo The Intercept fornecem
informações exclusivas sobre o que acontece por trás das grades de arame
farpado de Menwith Hill. Os arquivos revelam pela primeira vez como a NSA usou
a base britânica para auxiliar “um número considerável de operações de captura
e extermínio” por todo o Oriente Médio e pelo norte da África, equipada com
poderosas tecnologias de grampo que podem coletar dados na ordem de mais de 300
milhões de e-mails e chamadas telefônicas por dia.
Na
última década, mostram os documentos, a NSA foi pioneira em programas de
espionagem inovadores em Menwith Hill para identificar com precisão a
localização de suspeitos de terrorismo acessando a internet nos cantos mais
obscuros do planeta. Um dos programas, chamado Ghosthunter, apoiou operações
militares convencionais britânicas e americanas no Iraque e no Afeganistão.
Além disso, contribuiu para missões secretas em países aos quais os EUA não
declararam guerra, incluindo um caso onde o programa ajudou uma equipe de
operações especiais secretas a caçar um membro da Al Qaeda no Líbano. Os
funcionários da NSA de Menwith Hill também colaboraram em um projeto que visava
“eliminar” alvos terroristas no Iêmen, onde os EUA conduzem uma campanha de
bombardeio por drone que resultou em dezenas de civis mortos.
As
revelações sobre Menwith Hill levantam novas dúvidas a respeito da extensão da
colaboração britânica nos ataques americanos através de drones e outras missões
conhecidas como assassinatos seletivos, que podem ter violado leis
internacionais e configurado crimes de guerra em alguns casos. Sucessivos
governos britânicos declararam publicamente que todas as atividades na base
foram realizadas com o “conhecimento e consentimento completo” dos oficiais
britânicos.
As
revelações representam “mais um exemplo do inaceitável nível de sigilo em torno
da participação do Reino Unido no programa de “assassinatos seletivos” dos
EUA”, contou Kat Craig, diretora jurídica do grupo de direitos humanos londrino Reprieve, ao The Intercept.
“Agora,
é imperativo que o primeiro ministro seja franco a respeito do envolvimento do
Reino Unido nos assassinatos seletivos”, disse Craig, “para garantir que
funcionários e recursos britânicos não sejam afetados por atividades imorais e
ilegais”.
O
Ministro da Defesa do governo britânico, que lida com a assessoria de imprensa
de Menwith Hill, se recusou a responder à reportagem.
A
NSA enviou uma solicitação de declaração para o gabinete do Diretor de
Inteligência Nacional.
Richard
Kolko, porta-voz do DNI, disse em nota: “Os homens e mulheres que servem à
comunidade de inteligência asseguram a segurança nacional dos EUA coletando
informações, conduzindo análises e fornecendo inteligência para que decisões
sejam tomadas com embasamento, de acordo com um conjunto de leis, políticas e
diretrizes rigorosas”.
Estação
Menwith Hill em 11 março de 2014.
Foto:
Trevor Paglen
OEQUIPAMENTO em
Menwith Hill encontra-se distribuído por 2,5 km2 de terras,
vigiado 24 horas por dia pela Polícia Militar britânica e monitorado por
câmeras de instaladas em postes que observam quase todas as seções da grade
perimetral de 3m de altura.
O
detalhe que mais salta aos olhos é o aglomerado de aproximadamente 30 domos
brancos gigantes. Além disso, as instalações também abrigam uma pequena
comunidade completamente independente, acessível apenas àqueles com passes de
segurança. Dentre os edifícios de operação onde os analistas escutam conversas
monitoradas, há uma pista de boliche, uma sala de bilhar, um bar, um
restaurante fastfood e uma loja de conveniências.
Grande
parte das chamadas internacionais, do tráfego de internet, e-mails e outras
formas de comunicação do mundo inteiro são enviados através de uma rede de
cabos submarinos que conectam países como artérias gigantes. Em postos de
espionagem por todo o mundo, a NSA e seus parceiros usam esses cabos para
monitorar o fluxo de informações que passam por eles. Mas a base Menwith Hill
se especializou em um tipo diferente de vigilância: interceptação de
comunicações transmitidas pelo ar.
De
acordo com os documentos confidenciais cedidos ao The Intercept por
Edward Snowden, Menwith Hill tem dois recursos de espionagem de destaque. O
primeiro é conhecido como Fornsat e usa uma antena poderosa, dentro de um dos
domos em forma de bola de golfe, para interceptar comunicações enquanto estão
sendo transmitidas por satélites estrangeiros. O segundo se chama Overhead e
usa satélites do governo americano que orbitam o globo e sobrevoam países
específicos para monitorar as comunicações sem fio, como chamadas de celular
realizadas em chão firme, e para tirar fotos aéreas de áreas de interesse.
O
satélite de espionagem M8501 foi lançado em 2009 e é operado em Menwith Hill.
Seu papel é interceptar as comunicações sendo transmitidas através de “links de
satélites comerciais”, de acordo com os documentos da NSA.
No
final dos anos 80, as redes de comunicação internacionais foram revolucionadas
por cabos submarinos de fibra ótica. A nova tecnologia era mais barata do que o
uso de satélites e podia transmitir dados pelo globo muito mais rapidamente que
antes, em velocidades próximas à velocidade da luz. Por esse motivo, de acordo
com os documentos da NSA, na metade dos anos 90, a comunidade de inteligência
dos EUA estava convencida de que as comunicações via satélite se tornariam
obsoletas em pouco tempo e que deveriam ser substituídas por redes de cabo de
fibra ótica.
Mas
tais previsões estavam erradas. E milhões de chamadas de telefone ainda são
transmitidas via satélite, bem como grandes volumes de dados de internet, que a
NSA tem explorado constantemente em Menwith Hill.
“O
setor comercial de comunicações via satélite continua vivo e rentável, e
transbordando de tráfego DNI (Digital Network Intelligence – Informações
de redes digitais) em massa, cada vez mais sofisticado, em sua grande maioria
sem criptografia”, conforme descreveu um documento de 2006 da NSA. “Essa única
fonte de informações oferece mais dados a serem examinados pelos analistas de
Menwith Hill do que encontrava-se disponível para toda a organização há muito
pouco tempo.”
Os
governos do Reino Unido e dos EUA enganaram seus cidadãos deliberadamente por
anos usando uma “desculpa”.
Até
2009, a missão de vigilância de satélites estrangeiros de Menwith Hill,
Moonpenny, monitorava 163 links de dados de satélite. As comunicações
interceptadas eram canalizadas para uma grande variedade de repositóriosque armazenavam chamadas
telefônicas, mensagens de texto, e-mails, históricos de busca na internet e
outros dados.
Não
se sabe exatamente o volume de comunicações que Menwith Hill pode acessar por
vez, mas os documentos da NSA indicam que o número é extremamente
alto. Em um único período de 12 horas, em maio de 2011, por exemplo, os
sistemas de vigilância registraram mais de 355 milhões de registros de
metadados que revelam informações sobre tais comunicações — como remetente e
destinatário de um e-mail ou números de telefone discados e horário da
chamada realizada por alguém.
Com
o objetivo de manter sob sigilo as informações sobre o papel de vigilância de
Menwith Hill, os governos do Reino Unido e dos EUA enganaram seus cidadãos por
anos usando uma “desculpa”, retratando a base como uma instalação destinada a
fornecer “relés de rádio rápidos e conduzir pesquisas na área de comunicação”.
Um documento confidencial do governo americano, datado de 2005, alertou funcionários de agências espiãs a respeito de
deixarem escapar a verdade sobre a base. “É importante conhecer a desculpa
adotada para a existência da MHS [Menwith Hill Station (Estação)] e esconder o
fato de que a MHS é uma instalação de coleta de inteligência”, informava o
documento. “Qualquer referência a satélites sendo operados ou relacionados a
coleta de inteligência é estritamente proibida”.
Estação
Menwith Hill em 11 março de 2014.
Foto:
Trevor Paglen
OPOSTO
MILITAR foi construído nos anos 50, como parte de um acordo
entre os governos britânico e americano, com o intuito de abrigar funcionários
americanos e equipamentos de vigilância para interceptar chamadas telefônicas.
Em seus primeiros anos, a tecnologia existente em Menwith Hill era muito mais
primitiva. De acordo com Kenneth Bird, que trabalhou na base nos 60, durante a
Guerra Fria, a base se concentrava em monitorar as comunicações da Europa
Ocidental. As conversas interceptadas eram gravadas em fitas Ampex, de acordo
com o testemunho de Bird publicado em 1997, com algumas chamadas transcritas em
tempo real por analistas em máquinas de escrever.
A
base de Menwith Hill é um lugar muito diferente nos dias de hoje. Seus sistemas
de espionagem são capazes de ingerir muito mais dados de comunicação, bem como
tem um alcance geográfico muito mais amplo. Além disso, os objetos de
vigilância mudaram drasticamente, assim como a finalidade dos grampos
realizados.
Os
documentos obtidos por The Intercept revelam que
os satélites de espionagem usados em Menwith Hill atualmente podem interceptar
comunicações na China e na América Latina, além de possibilitar uma “cobertura
contínua da maioria do território da Eurásia”, onde interceptam “sinais
estratégicos de comunicação militar, científica, política, técnica e
econômica”. Mas talvez a função mais importante desempenhada pela base nos
últimos anos tenha sido no Oriente Médio e no Norte da África.
Especialmente
em partes remotas do planeta, onde não há links de cabos de fibra ótica, é
comum que as conexões de internet e chamadas de telefone se deem via satélite.
Por consequência, Menwith Hill se tornou uma base vital para a campanha
antiterrorismo do governo dos EUA depois dos ataques de 11 de setembro. Desde
então, a base tem sido usada de forma intensa para interceptar as comunicações
de áreas menos acessíveis, onde sabe-se que grupos extremistas islâmicos, como
al Qaeda e al Shabaab, operam — por exemplo, na região da fronteira entre
Afeganistão e Paquistão, na Somália e no Iêmen.
Imagem
aérea capturada pelo satélite dos EUA em apoio a uma operação secreta
GHOSTHUNTER.
Mais
importante ainda é o fato de Menwith Hill ter sido usada para outras
atividades, que não a coleta de inteligência de pessoas e governos de países do
Oriente Médio e do Norte da África. Tais ferramentas de vigilância, como o
sistema GHOSTHUNTER foram desenvolvidas com o objetivo único de auxiliar
operações militares, precisando as localizações de pessoas ou grupos
específicos para que fossem capturados ou assassinados.
Os
documentos revelados descrevem o GHOSTHUNTER como meio de “localizar alvos
quando entram na Internet”. Foi desenvolvido em 2006 como o “único recurso de
seu tipo” e permitiu “um
número representativo de operações de captura e extermínio” contra supostos
terroristas. Apenas alguns exemplos específicos são oferecidos, mas esses casos
dão exemplos notáveis do poder extraordinário da tecnologia.
Em
um caso ocorrido em 2007, analistas de Menwith Hill usaram o GHOSTHUNTER para
localizar um “intermediário” no Líbano que era descrito como “altamente ativo”,
ou seja, considerado um alvo legítimo para assassinato ou captura. A
localização do alvo — que era conhecido por diversos nomes, inclusive Abu
Sumayah — foi realizada com uma margem de erro de poucas centenas de metros de
acordo com as interceptações de suas comunicações. Em seguida, um satélite
espacial tirou fotografias aéreas do bairro de Sidon, no sul do Líbano, onde
acreditava-se que o indivíduo residia, mapeando as ruas e casas no entorno. Um
documento altamente secreto com mais informações sobre a vigilância indica que
a informação foi passada para uma unidade secreta de operações especiais,
conhecida como Task Force 11-9, preparada para conduzir uma operação secreta
para assassinar ou capturar Sumayah. No entanto, o resultado da operação é
incerto, já que não foi revelado no documento.
Em
outro caso em 2007, GHOSTHUNTER foi usado para identificar um suposto
“comprador de armas” da al Qaeda no Iraque, chamado Abu Sayf. Os sistemas de
vigilância da NSA localizaram Sayf quando entrava em contas de e-mail e
bate-papo do Yahoo em um café próximo a uma mesquita em Anah, uma cidade à
beira do Rio Euphrates, que fica 320 quilômetros ao noroeste de Bagdá. Os analistas
em Menwith Hill usaram o GHOSTHUNTER para precisar sua localização e satélites
de espionagem operados na base britânica para capturar imagens aéreas. Essas
informações foram repassadas às tropas americanas em Fallujah para serem
incluídas em um “plano de ataque”.
Alguns
dias depois, uma unidade de operações especiais, a Task Force-16, invadiu duas
propriedades, onde detiveram Sayf, seu pai, dois irmãos e cinco companheiros.
Em
2008, a popularidade aparente do GHOSTHUNTER na comunidade de inteligência resultou
em sua implementação em outras bases de vigilância com presença da NSA,
incluindo Ayios Nikolaos, no Chipre, e Misawa, no Japão. A distribuição da
ferramenta para outras bases representou um alcance “praticamente global”. Mas
Menwith Hill permaneceu sendo sua base mais representativa. “[Menwith Hill]
ainda fornece aproximadamente 99% dos dados FORNSAT usados em localizações
geográficas do GHOSTHUNTER”,confirmou um
documento sobre o programa de janeiro de 2008.
Um
documento de 2009 acrescentou que
o objetivo principal do GHOSTHUNTER, à época, envolvia “a localização
geográfica de cafés de Internet na região do Oriente Médio/África do Norte em
apoio às operações militares dos EUA” e dizia que tinha, até o momento,
“localizado geograficamente mais de 5 mil terminais VSAT no Iraque,
Afeganistão, Síria, Líbano e Irã. VSAT, Very Small Aperture Terminal (Terminal
de Abertura Muito Pequena), é um sistema de satélites usado comumente por cafés
de Internet e governos estrangeiros para enviar e receber comunicações e dados.
O GHOSTHUNTER também podia atacar VSATs no Paquistão, Somália, Argélia,
Filipinas, Mali, Quênia e Sudão de acordo com os documentos.
A
capacidade exclusiva a Menwith Hill de rastrear satélites em qualquer lugar do
planeta, por vezes, colocou-o na linha de frente de conflitou a milhares de
quilômetros de distância. No Afeganistão, por exemplo, analistas da base usaram
a vigilância VSAT para rastrear membros do Talibã suspeitos, resultando em
“aproximadamente 30 inimigos assassinados” durante uma série de ataques
mencionados em um relatório top-secret de
julho de 2011. No começo de 2012, analistas da base foram solicitados a
rastrear um VSAT: desta vez, para auxiliar as forças especiais na província de
Helmand, no Afeganistão. A localização do terminal foi rápida e, em menos de
uma hora, um drone MQ-9 Reaper foi enviado para a área, para iniciar um ataque
aéreo ao que tudo indica.
Mas
o uso letal de dados de vigilância não parece ter sido restringido a áreas de
guerra convencionais, como o Afeganistão ou o Iraque. A NSA desenvolveu métodos
semelhantes em Menwith Hill para rastrear suspeitos de terrorismo no Iêmen,
onde os EUA haviam iniciado ataques secretos com drones contra militantes
associados a al Qaeda na península norte.
No
começo de 2010, a agência revelou através de um relatório
interno que tinha inaugurado uma técnica nova na base britânica para
identificar diversos alvos “em quase 40 cafés de Internet localizados em pontos
geográficos distintos” na província de Shabwah, no Iêmen, e na capital do país.
A técnica, de acordo com o documento, era vinculada a uma iniciativa secreta
mais ampla, chamada GHOSTWOLF, descrita como um projeto para “capturar ou
eliminar nós cruciais em redes terroristas”, concentrando-se primordialmente em
“fornecer dados de localização geográfica obtidos através de [vigilância] de
clientes e de seus componentes operacionais”.
A
descrição do GHOSTWOLF vincula Menwith Hill a operações letais no Iêmen,
fornecendo as primeiras provas documentais que implicam o Reino Unido
diretamente em relação às operações secretas no país.
Estação
Menwith Hill em 11 de março de 2014.
Foto:
Trevor Paglen
Adimensão
da evidente cumplicidade do governo britânico em controversos ataques dos EUA
foi realçada pelo papel anteriormente desconhecido da base militar de Menwith
Hill no assassinato seletivo de suspeitos de terrorismo, suscitando dúvidas
sobre a legalidade das operações secretas realizadas a partir da base.
Há
cerca de 1.800 funcionários em Menwith Hill, a maioria americanos. Além dos
funcionários da NSA no complexo, o National Reconnaissance Office(NRO
– Departamento de Reconhecimento Nacional) também tem uma presença importante
no local, operando sua própria “estação terrestre”, a partir da qual controla
diversos satélites de espionagem.
No
entanto, foi apenas em 2014 que o governo britânico assumiu publicamente que as
operações na base “sempre foram, e continuam sendo” executadas com seu
“conhecimento e consentimento”. Além disso, aproximadamente 500 dos
funcionários nas instalações pertencem a agências do Reino Unido, incluindo
funcionários do organismo britânico homólogo da NSA, o Government Communications
Headquarters (GCHQ – Quartel-general de Comunicação do Governo britânico).
Há
vários anos que ativistas e legisladores na área dos direitos humanos
pressionam o governo no sentido de fornecer informações sobre seu envolvimento
nas operações americanas de assassinato seletivo, contudo, a única resposta até
agora foi o silêncio. Mais especificamente, houve uma tentativa de determinar
se o Reino Unido teria ajudado nos bombardeios com drones dos EUA fora de zonas
de guerra declaradas, incluindo em países como Iêmen, Paquistão e Somália, que
resultaram na morte de centenas de civis e foram, em alguns casos, considerados
por funcionários das Nações Unidas como possíveis crimes de guerra e violações
da lei internacional.
Apesar
de indicarem que Menwith Hill ajudou “em um número considerável” de operações
de “captura e assassinato”, os documentos de Snowden analisados pelo The
Intercept não revelam detalhes específicos sobre todos os incidentes
que resultaram em vítimas mortais. No entanto, ficou claro que a base teve como
alvos países como o Iêmen, Paquistão e Somália, incluídos em programas de
rastreamento de localização como o GHOSTHUNTER e GHOSTWOLF, criados para ajudar
a identificar indivíduos a serem capturados ou assassinados, sugerindo uma
participação nos ataques com drones nesses países.
“Um
indivíduo envolvido com a passagem dessas informações pode ser considerado
cúmplice de um homicídio.”
Craig,
diretora jurídica da Reprieve, analisou os documentos de Menwith Hill,
concluindo que indicavam a cumplicidade britânica nos ataques com drones
secretos dos EUA. “Há anos que a Reprieve e outras entidades procuram obter
explicações do governo britânico sobre o papel das bases britânicas no programa
secreto de drones dos EUA, responsável pela morte de elevados números de civis
em países com os quais não estamos em guerra”, ela contou ao The
Intercept. “Nos enganaram com truísmos e nos asseguraram que todas as
atividades dos EUA em bases britânicas, ou com o envolvimento das mesmas,
estavam em total conformidade com as disposições jurídicas nacionais e
internacionais. Agora, parece que nada disso era verdade”.
Jemima
Stratford, uma proeminente advogada britânica de direitos humanos, disse ao The
Intercept que existem “perguntas sérias a serem feitas e argumentos sérios
a estabelecer” sobre a legalidade das operações letais conduzidas com a
assistência de Menwith Hill. As operações, afirmou Stratford, podem ter violado
a Convenção
Europeia dos Direitos Humanos, um tratado internacional ao qual o Reino
Unido continua vinculado, apesar do voto recente pela saída da União Europeia.
O Artigo 2 da Convenção protege o “direito à vida” e declara que “ninguém
pode ser privado da vida intencionalmente”, exceto se tal for ordenado por um
tribunal como pena a ser aplicada por um crime.
Stratford
havia alertado anteriormente que funcionários britânicos podem ser implicados
em homicídio caso tenham facilitado ataques com drones dos EUA fora de zonas de
guerra declaradas. Em 2014, ela aconselhou os membros do parlamento britânico
para o fato dos EUA não estarem em guerra com países como o Iêmen ou Paquistão
e, portanto, no âmbito da lei inglesa e internacional, os indivíduos
assassinados por drones nesses países não constituíam “combatentes”, nem seus
assassinos eram beneficiados pela “imunidade de combatente”.
“Se
o governo britânico tiver conhecimento da transferência de dados que podem ser
usados em ataques por drones contra não combatentes (…) essa transferência
provavelmente é ilegal”, disse Stratford
aos membros do parlamento. “Um indivíduo envolvido na transmissão dessas
informações é, provavelmente, cúmplice de homicídio.”
O
GCHQ se recusou a responder perguntas da reportagem, citando uma “velha
política da agência que define que não comentamos a respeito de questões de
inteligência”. Um porta-voz da agência publicou uma nota genérica declarando
que “todo o trabalho do GCHQ é realizado de acordo com fundamentos jurídicos e
de política rigorosos, que garantem que nossas atividades são autorizadas,
necessárias e proporcionais, e que seguem uma supervisão rigorosa”. O porta-voz
insistiu que o “regime de interceptação do Reino Unido é inteiramente
compatível com a Convenção Europeia de Direitos Humanos”.
Um
portão na Estação de Menwith Hill proibindo a entrada em 12 de março de 2014.
Foto:
Trevor Paglen
EM
FEVEREIRO DE 2014, o departamento de Defesa dos EUA, depois de uma
revisão de procedimento, anunciou que planejava reduzir o número de
funcionários em Menwith Hill em 2016, com cortes estimados em 500 militares e
civis. Um porta-voz da Força Aérea dos EUA contou ao jornal militar Stars
and Strips que a decisão foi baseada em avanços tecnológicos, dos
quais se recusou falar, apesar de mencionar expansão na “capacidade dos
servidores que estamos usando; estamos fazendo mais com menos hardware”.
Os
documentos fornecidos por Snowden esclarecem algumas das alterações
tecnológicas específicas. Mais especificamente, mostram que houve um
investimento considerável em introduzir sistemas de vigilância em massa mais
sofisticados em Menwith Hill nos últimos anos. Em 2008, o então Diretor da NSA,
Keith Alexander, introduziu uma mudança de direção nas políticas da agência. Em
uma visita a Menwith Hill em junho daquele ano, Alexander desafiou os
funcionários da base. “Por que não podemos coletar todos os sinais, o tempo
inteiro?” disse o
diretor, de acordo com os documentos da NSA. “Soa como um belo trabalho de casa
para Menwith”.
Em
decorrência disso, uma nova “postura de coleta” foi introduzida na base com o
objetivo de “coletar tudo, processar tudo e explorar tudo”. Em outras palavras,
a base deveria ingerir o máximo de comunicações que sua capacidade tecnológica
permitisse.
Entre
2009 e 2012, mais de US$ 40 milhões foram gastos em Menwith Hill para construir
um novo prédio de operações com 9.000 m2 — uma área equivalente
a dois campos de futebol americano. Grande parte desse espaço — aproximadamente
1.000 m2 — foram reservados para um centro de dados que contava
com a capacidade de armazenar quantidades enormes de comunicações
interceptadas. Durante a reforma, a NSA enviou nossos sistemas de computadores
e instalou 300 km de cabos, extensão suficiente para conectar Nova York a
Boston. A agência também construiu um auditório com capacidade para 200 pessoas
destinado a realização de reuniões sobre operações secretas e outros eventos.
“Como
podemos autorizar operações em Menwith sobre as quais não podemos prestar
contas ao público?”
Parte
do enorme trabalho de expansão podia ser notado da rua no entorno do complexo
de segurança, resultando em protestos de um grupo de ativistas locais chamado
Campanha de Responsabilização das Bases Americanas. Desde o começo dos anos 90,
o grupo monitora de perto as atividades em Menwith Hill. Há 12 anos, seus
membros realizam um pequeno protesto toda terça-feira na entrada principal da
base militar, saudando funcionários da NSA com bandeiras e banners com
inscrições críticas à política internacional e os ataques por drones realizados
pelos EUA.
Fabian
Hamilton, representante da cidade de Leeds no parlamento britânico, se tornou
um apoiador da campanha, ocasionalmente participando de eventos organizados
pelo grupo e defendendo mais transparência em Menwith Hill. Hamilton, que
representa o Partido Trabalhista, tem sido insistente em obter mais informações
e, desde 2010, dirigiu mais de 40 perguntas formais ao governo no parlamento
britânico sobre as atividades realizadas na base. O parlamentar buscou esclarecimento
em diversas questões, como por exemplo, quantos funcionários encontram-se
registrados nas instalações, se a base está envolvida na condução de ataques
por drones e se os membros do comitê parlamentar de supervisão recebeu acesso
completo à base para analisar suas operações. Mas seus esforços foram
continuamente frustrados por agentes britânicos que se recusam a oferecer mais
detalhes alegando motivos de segurança nacional.
Hamilton
disse ao The Intercept que considerava “ofensivo” o sigilo em
torno de Menwith Hill. As revelações sobre o papel desempenhado pela base nas
operações de assassinato e captura dos EUA, contou, provou que uma reavaliação
completa de suas operações se faz necessária. “Qualquer nação que usa suas
forças militares para atacar um inimigo, seja um terrorista ou não, seja
legítima ou não, tem de prestar contas a seus eleitores”, contou Hamilton.
“Esse é um princípio fundamental de nosso parlamento, é a base de todo nosso
sistema democrático. Como podemos autorizar operações em Menwith sobre as quais
não podemos prestar contas ao público? Eu não compro essa ideia de que você diz
a palavra “segurança” e ninguém pode saber de nada. Precisamos saber o que está
sendo feito em nosso nome.
———
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publicados com este artigo:
Traduzido
por Inacio Vieira
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