O futuro precário do
estado-nação (3)
As destruições da II
Guerra, com particular incidência na Alemanha e na URSS, obrigaram a um enorme
esforço de reconstrução e de reconstituição das economias que irmanaram ambos
os blocos numa intervenção muito profunda do gasto público, no âmbito do que se
veio a chamar políticas keynesianas para aumentar o PIB.
Tudo parecia correr
bem, os trabalhadores pensavam mais no consumo do que na revolução, o
desemprego era marginal, os EUA eram o grande padrinho do sistema de Bretton
Woods e um grande beneficiário da descolonização que remetera as antigas
potências colonizadoras para um quadro regional.
Até que… o modelo
implodiu por razões internas e externas, como se verá na continuação deste
texto.
C - Os trinta gloriosos
anos do capitalismo
13 - A reformulação do
pensamento político e o esplendor keynesiano
14 -
A reconstrução das infraestruturas e o início da integração europeia
15 -
Instituições supra-nacionais configuram a globalização
16 –
A descolonização e o declínio das nações colonizadoras
17 -
A aceitação pelos trabalhadores da ordem capitalista
xxxxxxxxxx +++++
xxxxxxxxxx
C - Os
trinta gloriosos anos do capitalismo
Todos os ciclos de
negócios têm uma fase ascendente, que se manifesta em termos de criação de
riqueza, de mais emprego e optimismo; e que dura enquanto um conjunto de novas
tecnologias, outros modelos de negócio e outros figurinos políticos se
desenvolvem. A esse período, sucede um outro, em que surge o esgotamento da
conjugação daqueles factores, até aí geradores de optimismo, bem dos seus
efeitos benéficos. Nesse período de declínio surgem ou vão-se afirmando outros
fatores tecnológicos, financeiros e políticos que tenderão a estabelecer um
novo paradigma de acumulação de capital, através de uma outra conjugação, o que
relançará a economia para uma nova fase ascendente.
Assim se construíram as
ondas de Kondratiev, mesmo para além da sua morte e que temos vindo a utilizar
para caraterizar o capitalismo, desde que se afirmou como estrutura económica
dominante no planeta. Não se deve inferir do atrás referido que o capitalismo é
o destino final da Humanidade; como qualquer outro modo de produção, apresenta
uma duração que vai muito para além do tempo de uma geração, para grande e
justa impaciência de quantos, sentindo os seus nefastos efeitos, se não
contentam com as suas modificações conjunturais ou superficiais, mesmo quando
favoráveis à multidão. Por exemplo, a esmagadora maioria de uma população não
desdenhará um aumento salarial; porém, só um idiota irá retirar daí qualquer
alteração estrutural do capitalismo.
É um facto que as teses
tradicionais, históricas, de abordagem crítica do capitalismo menosprezaram as
suas evidentes capacidades de aproveitamento de oportunidades e adaptação às
inovações tecnológicas, a sua habilidade quanto à gestão social, política e dos
negócios, de expansão para um mercado global, de criação de crédito e
estabilidade monetária. Menosprezaram também o facto de os níveis de acumulação
de capital terem permitido a afetação de meios financeiros e tecnológicos
à criação e manutenção de meios repressivos dos corpos e das mentes;
numa primeira linha, através de um consumismo, tornado lúdico e compulsivo e,
numa segunda linha, mediante um genocídio silencioso de povos e camadas sociais
ou do método ancestral da guerra. Como diz Zygmunt Bauman “ o Holocausto nasceu
e foi executado na nossa moderna sociedade racional, num estádio elevado da
nossa civilização, em cima do patamar cultural humano e, por essa razão, é um
problema da nossa sociedade, da nossa civilização e da nossa cultura”[1]; tal como o aprisionamento do povo palestiniano pela
entidade israelita, aceite sem vergonha pela “comunidade internacional”.
Pouco antes da I
Guerra, as divisões entre as potências e a força dos movimentos de
trabalhadores admitiam um próximo desmoronamento do capitalismo, concepção que
se acentuou com a Revolução Russa de 1917. Esse desmoronamento global não
aconteceu mas a teoria dominante manteve-se prevendo um colapso de curto prazo,
fruto de uma crise inultrapassável do capitalismo.
Evgueny Varga, figura
destacada do poder na URSS, apercebeu-se das capacidades de adaptação do
capitalismo em 1946 mas, foi obrigado a reconhecer que as economias
capitalistas só conheceriam o colapso; Varga terá pensado a execução de
Kondratiev, uns anos antes, por ter concluído – e acertadamente – que a
escolástica era uma mera construção ideológica se a realidade a desmentia. A
realidade estaria … errada; Stalin e os trotskistas ocidentais estavam de
acordo sobre a eminente derrocada do capitalismo a ocidente, como consequência
de uma próxima estagnação que, afinal só surgiria, muito mais tarde, nos anos
setenta e que então trouxe a implantação do paradigma neoliberal e não a
revolução ou mesmo, um placebo chamado “socialismo”.
O segundo pós-guerra
constitui o início da fase ascendente da quarta onda de Kondratiev que irá
atingir o ponto de inflexão nos primeiros anos da década de 70. É um período de
grandes inovações, como os transístores, o cálculo automático, os materiais
sintéticos, a televisão, a pílula, o consumo em massa, a automatização, a
exploração espacial, a energia nuclear e uma nova corrida aos armamentos.
Trata-se de um período de crescimento dos aparelhos de estado, do alargamento
da sua ação e também da criação de grupos de estados-nação com vários graus de
articulação e integração.
Adiante abordaremos
vários elementos estruturantes de âmbito geopolítico e social e que marcam a
cena política e económica do pós-guerra.
13 - A
reformulação do pensamento político e o esplendor keynesiano
O rolo compressor do
exército soviético sobre os nazis, na fase final da guerra, impulsionou o apoio
aos partidos socialistas e comunistas de então, por parte dos povos e, durante
alguns anos, atraiu mesmo a intelectualidade; ainda que a destruição do
fascismo tenha estacado a norte dos Pirinéus, poupando os regimes de Franco e
Salazar.
Essa dinâmica popular
de simpatia para com o modelo soviético começou a decair quando se foram
divulgando as práticas repressivas de Stalin. Apesar disso, os próprios
partidos então socialistas, eram forçados a apresentar ideias sociais
avançadas, numa dinâmica progressista que obrigou os conservadores a
adaptarem-se aos novos tempos. Os trabalhistas ingleses, que chegaram ao poder
isolados em 1945, criaram um serviço nacional de saúde e um estado de bem-estar
social universal e por toda a vida, para além de terem iniciado a
descolonização; na maior parte dos casos, com a concordância dos conservadores,
tradicionalmente pouco dados a grandes envolvimentos do Estado e, ainda
convencidos do caráter de grande potência do país… promoveram o armamento
nuclear.
De modo diferente dos
pragmáticos ingleses, a França mostrou, com as guerras coloniais na Indochina e
na Argélia, dificuldades em se adaptar aos novos tempos. Ainda que com o
predomínio da direita no poder, instituiu-se uma segurança social[2], estendeu-se o direito de voto às mulheres, enquanto se
procedia à nacionalização dos grandes bancos, das companhias de seguros, das
companhias elétricas e das indústrias de ferro e carvão, sem que a posse da
bomba atómica tivesse ficado esquecida.
Na Europa Ocidental
vivem-se os tempos de aplicação das políticas keynesianas com forte investimento público, grande intervenção
dos governos e incremento do consumo. No Leste europeu, os procedimentos eram
idênticos, com uma muito mais elevada intervenção do Estado, na decisão e na
execução, um reduzido papel da iniciativa privada e uma grande preocupação
investidora, em detrimento do consumo.
14 - A
reconstrução das infraestruturas e o início da integração europeia
Os EUA, com os seus
poderes económico e militar não só intactos mas, também reforçados após o final
da guerra, face a uma Europa Ocidental fragilizada, financiam parte da
reconstrução daquela através do Plano Marshall e do investimento de empresas
americanas. Estas, viram na Europa uma oportunidade para a efetivação de
grandes ganhos de capital a partir da reconstrução das infraestruturas e da
reativação dos circuitos de comércio e de capitais; e, a partir daí, visavam
também estancar ou reduzir o interesse pelo modelo soviético.
Por outro lado, estando
fresca a memória do crash bancário de 1929, efetuou-se um
forte controlo sobre a capacidade do sistema bancário para a concessão de
crédito, com as reservas bancárias obrigatórias a corresponder a 20/25% do
total do crédito concedido; por comparação, refira-se que o BCE atualmente
apenas exige 1% de reservas de caixa, uma vez que sendo o dinheiro, em geral,
um produto de registos contabilísticos informáticos, no âmbito das operações de
crédito, não sai do sistema bancário, ficando de fora, com valores
comparativamente diminutos, as notas e as moedas. Daí resulta parte importante
do poder actual do sistema financeiro, do seu domínio sobre as economias
nacionais, empresas, famílias e Estados, através da dívida, delegando nas
classes políticas a transferência dos efeitos da insanidade do capitalismo e do
sistema financeiro, para as populações.
Voltando ao pós-guerra,
as taxas de juro reais eram então, baixas ou mesmo negativas, facilitavam os
devedores, mormente os Estados, que encontravam assim formas de se financiarem
sem onerar as sociedades com cargas fiscais elevadas; ao mesmo tempo que
permitiam a erosão da dívida pública. Hoje, não é assim; os Estados
endividam-se em paralelo com uma tributação fiscal elevadíssima, num contexto
de baixa inflação.
Na sequência do Plano
Marshall, criava-se, no Leste, o Comecon (janeiro de 1949) entre a URSS e os
países que haviam adoptado o seu modelo estatizante e de partido único, um
conjunto desconectado do sistema capitalista de mercado, ocidental; e em acerba
competição estratégica com este último.
Essa competição, num
contexto de Guerra Fria e de grandes clivagens políticas no eixo
esquerda-direita, seria o ponto de partida para a criação de uma sequência de
actos de integração económica e política na Europa Ocidental. Referimo-nos ao
Conselho da Europa (maio 1949), à declaração de Schuman (maio de 1950) e mais
estruturadamente, com a criação da CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
(1951), da Comunidade Económica Europeia (1957); neste último caso, a preceder
uma longa série de decisões e tratados, sempre na forja, visando a constituição
de um super-estado (a União Europeia) que se mostra, hoje, crescente em
dimensão, profundidade e em totalitarismo; e cujas instituições se coadunam
aliás, em perfeitamente com as oligarquias nacionais, em competição no
reacionarismo. Afastado o perigo de confrontação e competição com um adversário
a Leste, depois de 1991, a UE vem acentuando o seu pendor economicista e
oligárquico, a favor das multinacionais e do sistema financeiro, ao mesmo tempo
que acompanha os EUA nas aventuras guerreiras na área do Mediterrâneo.
O forte sentimento
nacionalista de de Gaulle colocou a Grã-Bretanha – tomada como sob forte
influência dos EUA - fora do processo de integração europeia, retirou as tropas
francesas da cadeia de comando da NATO e avançou para um arsenal nuclear. No
mesmo sentido, de Gaulle almejava uma suserania da França no espaço europeu
ocidental beneficiando da então debilidade da Alemanha Ocidental; mais tarde
essa suserania evoluiu para uma paridade (o eixo franco-alemão) o qual se
transformou em supremacia alemã, com a pujança da sua economia e a
reunificação.
Também no plano militar
se estruturam à época, coligações antagónicas que separam a Europa em duas
partes, com escassos países neutros de permeio. A NATO[3] (1949) configura-se como expressão da suserania
americana que perdura até hoje, de defesa face a uma propagandeada ameaça
soviética e hoje, russa; insere-se na supervisão militar que os EUA entendem
estender a todos os quadrantes do planeta, com um assumido direito de
bombardear, invadir, bloquear, manipular e financiar regimes, grupos militares
ou meramente terroristas. No contexto da Guerra Fria, em resposta à criação da
NATO surgiu, dominado pela URSS, em 1955, o Pacto de Varsóvia, entretanto
extinto na sequência do desmoronamento do Bloco de Leste. No campo militar,
como em muitos outros, entre os dois blocos de regimes em oposição na Guerra
Fria, vigorava o mimetismo; até mesmo na forma oligárquica como as populações
eram (e são) afastadas das decisões sobre as suas vidas.
15 - Instituições
supra-nacionais configuram a globalização
Bretton Woods foi o
cenário onde se estabeleceu em 1944 a nova ordem monetária e financeira global,
com o domínio total dos EUA e do dólar. Foi então, criado o FMI, destinado ao
apoio a países com problemas de deficit externo, de crescimento económico,
visando o aumento do emprego e a redução da pobreza (!). Depois do fim da
convertibilidade do dólar em ouro (1971) e o ocaso do keynesianismo, adoptou os
preceitos neoliberais impondo medidas draconianas aos países em dificuldades e
que resultam, invariavelmente, em programas de austeridade sobre a população e
privatizações em troca dos financiamentos concedidos, com taxas elevadas. Em
Portugal, a intervenção do FMI sucedeu em 1977, 1983/85 e, recentemente
(2011/14), no âmbito do programa de reajustamento estrutural, com o FMI em
parceria com o BCE e a Comissão Europeia. Outra instituição saída de Bretton
Woods foi o Banco Mundial, vocacionado para financiar projetos de apoio ao
desenvolvimento.
Ainda em Bretton Woods
foi desenhado um modelo estável de relacionamento entre as moedas nacionais,
com a fixação de uma paridade para o dólar, em $ 35 por onça de ouro, servindo
a moeda americana de referencial, evitando-se assim flutuações com impactos
nocivos no comércio internacional; esse papel central do dólar, não ofereceu
grande contestação, numa época em que os EUA detinham 80% das reservas mundiais
de ouro, uma capacidade produtiva não destruída pela guerra e uma
enorme supremacia no comércio global. O sistema funcionou enquanto a economia
americana teve grande domínio também nas relações económicas internacionais;
quando o dólar começou a decair, em paralelo com uma intensa procura de ouro ou
de outras moedas, como o marco alemão ou o yen japonês, países com fortes
excedentes comerciais, os EUA acabaram com a convertibilidade, em
1971.
Em 1947 foi criado o
GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, com o objetivo da liberalização
do comércio mundial, restrito antes da guerra, então sob forte protecionismo no
seio de cada um dos impérios potências coloniais, bem como entre os
estados-nação, na sua generalidade. Entendia-se que o comércio livre, isento de
barreiras, era fonte de eficiência económica, que alimentava a democracia e o
bem-estar social; e, nessa lógica, além do comércio de mercadorias foi-se
incluindo os serviços, os investimentos e as patentes, num processo que foi
permitindo o domínio das multinacionais e o alargamento da sua presença pelo
mundo processo esse que culminou em 1995 com a criação da OMC - Organização Mundial de Comércio, onde estão presentes a grande maioria dos países,
predominando, entre as ausências, numerosos países árabes ou muçulmanos que se
reservam na situação de observadores.
Cabe ainda referir
várias das muitas instituições de caráter global ou regional que federam ou
substituem os estados-membros e que mostram ser cada vez maior o número e a
extensão dos problemas que não podem ou devem ficar cingidos à lógica autárcica
do estado-nação e das suas domésticas oligarquias. Entre as globais, podem
referir-se a UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura, a OMS - Organização Mundial da Saúde, a OCDE - Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Económico, a OIT - Organização Internacional do
Trabalho, a FAO – Organização para a Agricultura e a Alimentação, a AIEA –
Agência Internacional de Energia Atómica, a CNUCED/UNCTAD - Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento…
Porém, as agressões ao
ambiente e as alterações climáticas, embora pouco discutidas durante os 30
gloriosos anos de crescimento do famoso PIB, têm hoje uma importância
incontornável e tardam em ter órgãos globais de gestão, tudo ficando dependente
de conferências episódicas e temporárias, no final das quais, os principais
estados-nação responsáveis pelos problemas existentes, agem como entendem, sem
serem objeto de sanções ou boicotes, como acontece sempre que estão em jogo
clivagens geopolíticas ou ao interesses comerciais das grandes potências.
As instituições
internacionais de caráter regional são muitas, sendo incontornável referir a
União Europeia como caso único de aprofundamento de integração política e
económica, com múltiplos órgãos decisórios que se colocam acima dos
estados-membros. Referimos ainda, nas Américas, o NAFTA e o Mercosul, na Ásia,
a ASEAN, a APEC e a Liga Árabe ou, em África, a SADC e a CEDEAO/ECOWAS. São
ainda de referir as instituições não estatais com uma abrangência global para
temas específicos, como a Cruz Vermelha ou a Amnistia Internacional.
Em termos políticos,
foi criada em 1945 a ONU como forum de diálogo e concertação
entre as nações… representadas pelas classes políticas nacionais e, para mais,
com a constituição de um diretório, com direito de veto, constituído por EUA,
URSS, França, Grã-Bretanha e China (o regime de Taipé) e que se mantém até
hoje, com a República Popular da China a substituir a ilha de Taiwan ou Formosa
e a Rússia a herdar o lugar da extinta URSS, todas potências nucleares.
16 – A
descolonização e o declínio das nações colonizadoras
Para além da crispação
latente nas fronteiras dos dois blocos que dividiam a Europa, uma outra ameaça
provinha da descolonização que se desenhava e que tornaria os países europeus,
no seu conjunto, potências regionais ao abrigo da sombra protetora dos EUA uns,
da URSS, outros, com muito poucas neutralidades.
As neutralidades face
ao antagonismo Leste-Oeste viriam a crescer, sobretudo nos novos estados-nação,
erigidos nas antigas colónias e, durante algum tempo, na sequência da
Conferência de Bandung tiveram algum protagonismo, sob o impulso de Nehru, Tito
e Chu-En-Lai. Porém, para muitos dos novos países, sobretudo em África, uma
coisa era a independência política, criar hino e bandeira e outra, bem mais
complexa, era criar coerência económica e autonomia, tendo como substrato material
estruturas vocacionadas para o abastecimento dos países ocidentais em
matérias-primas, minerais e produtos agrícolas de plantação, numa situação de
dependência quanto a mercado e preços; e, tudo isso, em paralelo com a vida
tradicional de populações inseridas em agricultura tradicional de subsistência,
ignoradas pelo antigo colonizador e desprezadas pelas novas elites.
Aí, sucediam-se golpes
de estado com o apoio de grupos de militares ou eram as próprias hierarquias
militares, que assumiam diretamente a predação em conluio com as multinacionais
ou interesses ancorados nas antigas metrópoles europeias, para que se
mantivesse a exploração colonial, depois da independência, sob outra bandeira;
e há mesmo casos de intervenção de mercenários. Noutras situações, dirigentes
corruptos - Mobutu, Houphouet-Boigny, Idi Amin, Mugabe, Bokassa, Nguema, J. E.
dos Santos… - montavam regimes repressivos e predatórios, personalizados. Nos
poucos casos em que houve a chegada ao poder de grupos com intenções louváveis,
estes esbarravam com a falta de capitais e tecnologia e ainda com as manobras
de multinacionais que exploravam divergências étnicas ou tribais conducentes ao
seu derrube. A continuidade das fronteiras coloniais na sua total
artificialidade, a existência de estruturas tribais separadas por essas
fronteiras minavam possíveis solidariedades e, pelo contrário, impunham
conflitos e guerras, o mais grave deles no Ruanda.
Noutros casos, as
partilhas coloniais haviam dividido territórios com estruturas estatais antigas,
redesenhando-as ou impondo novas entidades, gerando ou exacerbando antagonismos
étnicos e religiosos, como se verificou após o desmantelamento do Império
Otomano, com a invenção de novas entidades como o Líbano, a Jordânia ou a
entidade sionista; neste caso, sob a forma de ocupação territorial por
estranhos à região, com a expulsão dos seus ancestrais habitantes. O mesmo se
observou na separação entre hindus e muçulmanos na Índia, geradora de um
artificial Paquistão como pretenso unificador de bengalis, pashtuns, baluches e
outros, na base da crença religiosa. Bem mais recentemente, afirmou-se o drama
sudanês, numa primeira fase e sul-sudanês, na atualidade. No Golfo Pérsico, os
Ocidentais têm sustentado a “democracia” gerida por reis e dignitários medievais
que garantem o policiamento dos poços de petróleo, à custa da ausência de
quaisquer liberdades cívicas. Finalmente, depois do desmoronar em Dien Bien Phu
da dominação francesa no Vietnam, foram os EUA que tentaram colocar os
vietnamitas nos eixos do neocolonialismo … através da aspersão com napalm e com
o agente laranja.
Dois cancros políticos
e humanitários sobreviveram no período em apreço, sob formas degeneradas de
estados-nação; o apartheid sul- africano que haveria de durar até 1994 e a
demência genocida israelita, de fachada religiosa, que perdura. No primeiro
caso, a maioria da população não “branca” era confinada em bantustões, como
reservas de mão-de-obra, carinhosamente designados por homelands; ou
remetida para os subúrbios, para as townshipsonde se amontoavam
trabalhadores sem direitos, nem condições decentes de habitabilidade, a quem o
regime concedia, magnânimo, diariamente, o acesso precário às áreas dos
senhores, comogastarbeiters na sua própria terra. Tratava-se de um
regime cuja estrutura social e de captura do trabalho era estudada e montada
metodicamente, na base de um cientismo racista e laico.
Na entidade sionista,
devido à exiguidade do território, há uma acrescida e constante ocupação do
espaço que continua, no entanto, a ser partilhado, em camadas sobrepostas ou
células que se pretendem estanques. Uma, mais rica, de senhores e outra, em
constante reconfiguração, com controlos militares em cada esquina, constituída
pelos habitantes de sempre, espoliados, humilhados, segregados, perante o
passivo incómodo da “comunidade internacional”, por mais etéreo que seja este
conceito. A ideologia deste regime racista não inclui tanto a expulsão dos
palestinianos, como a sua submissão como fornecedores precários de trabalho
barato; sagrado desígnio estatal que preenche os fanáticos religiosos é uma
esperança vã, ameaçada por uma demografia desfavorável[4]. A continuidade da entidade sionista estará assegurada
enquanto aos EUA[5] e ao Ocidente em geral, for necessária a existência
de um quartel para controlo das terras do petróleo; só assim se entende que aos
sionistas seja permitida a posse de armas atómicas e dos mísseis Jericó, com um alcance de 11500 Km (que podem atingir o… Rio de Janeiro…).
De modo mais lato, a
proliferação de condomínios fechados, bem equipados, protegidos e guardados (na
África do Sul de hoje, como nos meios ricos de outros países), faz parte da
lógica de segmentação social em que o resto da população vive em townships, sejam
os subúrbios das cidades europeias ou a grande parte das enormes conurbações
africanas (Lagos, Nairobi…).
17 - A aceitação
pelos trabalhadores da ordem capitalista
As inovações técnicas,
a reconstrução do pós-guerra, a vulgarização da produção em massa, o aumento do
emprego, o afluxo de gente do campo para as cidades, as emigrações dos europeus
do Sul para Norte, o grande aumento da produtividade, são factores que criaram
uma grande massa de gente e de rendimentos, geradores de consumo acelerado. É
um período de grande intervenção do Estado, também na análise da conjuntura e
do planeamento, exigentes da elaboração de detalhadas estatísticas.
Num renovado papel do
Estado, exigia-se dele fórmulas de controlo político do trabalho que não
poderiam corresponder à sua militarização, como praticada pelos fascistas; e,
muito menos, permitir propensões revolucionárias nos trabalhadores. A
acumulação capitalista do pós-guerra fez-se através da inovação tecnológica e
na gestão, na organização do trabalho, na produção em massa, com o
desenvolvimento de um mercado tendencialmente global, aberto e não maculado com
guerras como as havidas nas últimas décadas; fez-se também através dos
objetivos introduzidos nas expectativas dos trabalhadores, com o acesso fácil a
bens de consumo diversificados, bons salários e pouco desemprego, garantias
contra despedimento, segurança social, férias pagas, saúde e educação públicas.
Certamente alguns think tanks do capitalismo (Mises, Hayek,
Friedman), perante estes “capitais” desperdiçados em medidas de caráter social,
terão sorrido e grunhido… “dentro em breve, cá vos apanharemos!”.
Esse enquadramento
converteu também os sindicatos a uma atuação complacente e rotineira, sem
pretensões revolucionárias, como aconteceu também com os partidos incluídos no
espectro da esquerda. Se isso fosse conseguido – e foi, durante os 30 anos
gloriosos – não havia que temer a concorrência do modelo soviético, com todos
aqueles ingredientes, mas sem conseguir a produção em massa de bens de consumo,
nem a liberdade de expressão existente no Ocidente. A contestação a esse modelo
de acumulação – conhecido por modelo social europeu – surgiu de movimentações
de estudantes e trabalhadores em Itália e França, no período 1967/68,
alimentadas por um ensino burocratizado e conservador como também pela
massificação fordista do trabalho nas fábricas. A procura de uma saída
sistémica, ainda que minoritária, era alimentada pela Revolução Cultural de
Mao, pela intervenção militar dos EUA no Vietnam, pelo romantismo do Che,
enquanto os tradicionais partidos comunistas se tornavam cordatos,
conservadores, tal como a sua concorrência eleitoral e não complacentes com a
invasão soviética da Checoslováquia (excepto o PCP).
A normalização, a
uniformização, a pacificação social passaram também pelos sistemas partidários
nacionais e pelos modelos de representação. A conjuntura favorável apontava
para o conservadorismo e a aceitação de fórmulas de alternância entre dois
partidos, uma combinação de rotativismo com bipartidarismo entre duas formações
políticas pouco diferenciadas mas que serviam para enquadrar as esperanças
populares ora num, ora noutro, nada se alterando de substancial.
O pântano criado,
marcava uma diferença face ao período entre as duas guerras, com turbulência
política entre múltiplas e instáveis formações partidárias, com a presença de
partidos e milícias fascistas e mesmo de regimes fascistas em grande parte da
Europa. De facto, a harmonização conseguida evitou a guerra na Europa (mas não
as atividades guerrilheiras do IRA, das Brigate Rosse, da RAF ou da ETA); não
evitou nesse período mas, por instigação das potências europeias e da tutela
norte-americana promoveu, fora de portas, a guerra na Jugoslávia, cerca de
vinte anos depois.
(continua)
Este e outros textos
em:
[1] “Modernity and the Holocaust”, citação em Colapso,
de Carlos Taibo
[2] Neste campo, em França, cabe sublinhar o papel
de Ambroise Croizat que incluiu todos os riscos sociais dos trabalhadores numa
só instituição, a criação de um sistema de segurança social que abrange ativos
e não ativos, com financiamento das empresas, do nascimento até à morte e com
uma gestão confiada aos próprios beneficiários. Um dos aspetos mais avançados
socialmente era a atribuição de um salário equivalente a 225 h mensais a uma
mãe que ficasse a tomar conta de dois filhos, como reconhecimento de um
trabalho efetivo, desligado da órbita do capital (conf “Acabar com as Lutas
Defensivas” de Bernard Friot (Le Monde Diplomatique, nov/2017)
[3] O derrube do Muro de Berlim e o desmembramento
do bloco de Leste e da URSS conduziram à desaparição do Pacto de Varsóvia mas
não a da NATO. Os EUA precisam de manter um pé na Europa, como monitores,
agitando uma ameaça russa para garantirem a venda de armas; e, na prática,
diretamente, através da NATO ou outras siglas militaristas onde participa, vem
intervindo em áreas geográficas que não envolvem, nem sequer confinam com
países membros ou ainda, de onde não partem ameaças para aqueles.
[4] Em Portugal, a pequena e isolada comunidade
judaica de Belmonte tem sido objeto de assédio junto de jovens para que vão
viver para os territórios ocupados pelos sionistas. Para agradar aos sionistas
e… atrair investimento estrangeiro, nos meios governamentais da paróquia lusa
pretende-se atribuir passaporte português a sefarditas de origem lusitana
emigrados para a Grã-Bretanha quando da sua expulsão há cerca de 500 anos; o
que não é extensível aos descendentes de mouros expulsos na mesma ocasião…
Dentro da imbecilidade que é apanágio da classe política portuguesa, aguarda-se
que sejam atribuídos – num 10 de junho, dia da “raça” - passaportes póstumos a
David Ricardo e Benedito Spinoza, que tiveram ancestrais próximos membros de
comunidades judaicas de origem portuguesa.
[5] A posição das grandes potências tem sido
comum na sustentação do sionismo em terras palestinianas. A Grã-Bretanha
favoreceu a instalação das primeiras levas de judeus para a Palestina, no final
da II Guerra; a França forneceu a tecnologia nuclear; os EUA são os grandes
financiadores de capitais privados e de armamento; e a URSS, nos anos 80
encaminhou centenas de milhares de judeus soviéticos para reforçar o povoamento
da entidade sionista.
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