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Quem e como nos conduzem à catástrofe
APÊNDICE
A voz da Ciência e da Cultura
O período crucial entre o fim dos anos setenta e início da década de 1990, conpreendendo a última fase do confronto nuclear NATO-Pacto de Varsóvia e a abertura do depois da Guerra Fria com a primeira guerra do Golfo, viu em Itália, uma grande mobilização pacifista em que participavam personalidades notáveis da ciência e da cultura. Relatamos nestas páginas algumas das suas tomadas de posição, cuja leitura oferece ideias de extrema actualidade: o Apelo sobre a instalação iminente de mísseis nucleares de cruzeiro em Itália, lançado pelo filósofo da Ciência, Ludovico Geymonat: a apresentação do Prémio Nobel Daniel Bovet e Carlo Rubbia e do Prof. Alberto Malliani, documentos científicos sobre os efeitos da guerra nuclear; a reflexão do Padre Ernesto Balducci sobre o significado da primeira guerra do Golfo.
Apelo contra a instalação de mísseis nucleares em Itália (20 de Novembro de 1979)
Uma nova ameaça recai sobre o nosso povo: o «Grupo de Planificação Nuclear» da NATO exprimiu um parecer positivo a respeito do plano americano de distribuir em vários países europeus, entre os quais Itália, os mísseis de cruzeiro e os Pershing II de ogiva nuclear. É uma decisão gravíssima. A instalação no nosso continente de tais armas, que não são tácticas e defensivas, mas sim, estratégicas e ofensivas, faria da Europa ocidental a primeira linha de um eventual conflito nuclear. Em particular a Itália, que tem uma posição subordinada também no campo militar, seria apenas uma plataforma de lançamento e um alvo.
Como relatado pela imprensa internacional, os USA têm no continente europeu 7.000 ogivas atómicas (1.500 em Itália), cuja potência equivale a duas toneladas de explosivos por cada habitante dos países da NATO. Neste verdadeiro barril de pólvora nuclear, Washington quer introduzir outros mísseis ainda mais perigosos.
O povo italiano, os povos da Europa e do mundo não podem assistir, como simples espectadores, à escalada de tal «equilíbrio de terror». É necessário quebrar esta lógica fatal, o mais rápido possível.
Seja o povo italiano – milhões de trabalhadores, jovens e mulheres – a dar o exemplo, impedindo que sejam instalados no nosso país estes instrumentos de morte. Nasça nas fábricas, em todos os lugares de trabalho e de estudo, nos bairros, um movimento popular em defesa da paz e da independência nacional.
Cada força realmente decidida a bater-se por estes objectivos, cada progressista é chamado a assumir uma responsabilidade precisa: a de fazer todo o possível para impedir que o governo italiano dê o consentimento à instalação de mísseis no nosso país, para que faça acontecer iniciativas a nível europeu e mundial, destinadas a conseguir um desarmamento nuclear generalizado. Devemos fazer com que o nosso povo não repita a experiência trágica da guerra mundial, que não seja envolvido num conflito nuclear.
6. Não às armas nucleares no nosso país. Não a uma escolha que, inevitavelmente, aumentaria a tensão. Sim às negociações, a uma política que quebre a corrida armamentista. Vamos defender a nossa vida, tomando o nosso destino nas nossas mãos.
Ludovico Geymonat, Professor de Filosofia da Ciência na Universidade de Milão
Nino Pasti, Senador da Esquerda Independente
Enzo Enriques Agnoletti, Director da revista «Il Ponte»
Giovanni Pesce, medalha de ouro de valor militar da guerra partidária
Filippo Paone, Magistrado governador de Roma
Eleonora Turziani, oficial da 3ª Divisão partidária «Giustizia e Libertà»
Antonio Cardilli, membo da Coordenação Nacional dos Conselhos, da Fábrica do Grupo Ansaldo
Giuseppe Semerari, Professor de Filosofia Teórica na Universidade de Bari
Manlio Dinucci, Director da revista «Lotta per la Pace»
As consequências da guerra nuclear*
Daniel Bovet, Prémio Nobel da Medicina
Carlo Rubbia, Prémio Nobel da Física
Com a conquista das imensas forças que estão contidas no núcleo atómico, pela primeira vez na sua História, o Homem adquiriu a possibilidade concreta de destruir os seus semelhantes à escala planetária e assim, de dar um golpe mortal à vida em todo o nosso planeta. Esta corrida ao desenvolvimento de armas cada vez mais potentes, iniciada em 1942 com o começo do «Projecto Manhattan» e com o holocausto nuclear das cidades de Hiroshima e Nagasaki, é prosseguida nos anos Cinquenta e no começo da década de 1960 através das fases de explosões esperimentais, na atmosfera e na superfície, de engenhos cada vez mais destrutivos.
Não há qualquer dúvida que hoje, um confito nuclear generalizado, mais do que destruir directamente a maior parte da população do nosso planeta, causaria, durante meses seguidos, o escurecimento da luz solar e uma diminuição dramática da temperatura do nosso globo, o designado «Inverno Nuclear». Devido a temperaturas sub-polares extinguir-se-iam, definitivamente, um enorme número de formas de vida vegetal e animal no nosso planeta, não excluindo também a espécie humana.
Um grupo de médicos reunidos na associação apolítica internacional - International Physicians for the Preventionof Nuclear War (I.P.P.N.W.) procura há anos, sensibilizar a opinião pública sobre as consequências atrozes de um conflito nuclear, mesmo que seja limitado. Em caso de ataque nuclear não haveria tratamentos, nem hospitais, nem médicos, nem enfermeiros, nem ambulâncias, nem farmácias para acalmar a agonia atroz de milhões de pessoas feridas, queimadas, cegas, sujeitas à radiação ou, simplesmente, esfomeadas e em estado de choque.
Mas, neste momento, temos necessidade de homens que sintam a responsabilidade de dar conhecimento aos outros homens sobre o problema das consequências da guerra nuclear e de ter a coragem de enfrentá-lo, aberta e cientificamente.
*Excerto da apresentação do volume de Herbert L. Abrams e AAVV, Le implicazioni mediche e sociali della guerra nucleare /Edizione GB, 1988
A prevenção da guerra nuclear*
Alberto Malliani, Professor de Patologia do Hospital Médica L. Sacco, Universidade de Milão
Os médicos, que têm a responsabilidade da vida dos seus pacientes e da saúde da comunidade, devem começar a explorar uma nova área da medicina preventiva, a prevenção da guerra nuclear. Visto que esta última epidemia não pode ser curada, mas apenas prevenida.
O que devem tentar? Tudo. Tudo o que a consciência e a cultura aconselhem a tentar. Neste sentido, os trabalhos científicos da IPPNW parecem ter tirado a tampa de um monstruoso vaso de Pandora, contendo todos os males espalhados pela Terra, mas agora sob a forma de pesadelos alucinantes.
Nesses trabalhos científicos resultam, sinistramente evidentes, os possíveis efeitos de uma guerra nuclear sobre o género humano, sobre a biosfera. Poder-se-ia pensar que se trata de noções óbvias, facilmente disponíveis para qualquer um. Não é assim. Às vezes, o óbvio é mantido escondido mais do que qualquer outro segredo, com a cumplicidade de todos que não querem saber ou não querem pensar. Que preferem afastar tudo da sua consciência porque é «absurdo», sem perceber que agora, o absurdo é factível. Pelo contrário, é assustadoramente provável: porque um conflito nuclear pode ser desencadeado por engano ou pela insanidade dos que detêm essas armas. Dizendo de uma maneira mais simples, porque o Homem criou um sistema de morte tão perfeito que requer um controlo perfeito. Mas a perfeição nos controlos não existe: por definição, antes ou depois, o controlo irá falhar.
Na História da Humanidade as armas foram sempre usadas, antes ou depois. Quanto a imaginar um conflito limitado é um pouco como pretender a explosão de meio reservatório de gasolina. A IPPNW demonstra que são impensáveis, uma guerra nuclear limitada ou uma defesa civil limitada. Em breve a Terra seria povoada sobretudo ou apenas, por insectos.
* Excerto da introdução do volume dos Internacional Physicians for the Prevention of Nuclear War, L’ultimo aiuto /Le dimensioni mediche della guerra nucleare, Gabriele Mazzotta Editore, 1983
A ideia da guerra tornou-se de novo um projecto operacional*
Padre Ernesto Balducci
Einstein tinha mesmo razão: a bomba atómica mudou tudo, excepto a nossa maneira de pensar. E, de facto – os meses da guerra do Golfo fizeram-no perceber – sobrevivemos aos esquemas mentais e significativos da idade moderna, enquanto a realidade à qual eles tradicionalmente se referem, já mudou.
Se a maior parte dos intelectuais do Ocidente, os que têm na mão a grande hereditariedade da cultura laica de tipo iluminado e estão alienados com a estratégia militar dos USA, é porque eles permaneceram no interior do paradigma antropológico e político ocidental, cuja função prática é a remoção do ponto de vista dos outros, quero dizer, dos povos e das culturas que são estranhas ao perímetro em que as glórias e o nefasto da modernidade ocorreram.
A ideia da guerra, que permaneceu ibernada durante o longo conflito ideológico entre o Oriente e o Ocidente,tornou-se, de novo, um projecto operacional com todos os selos da legalidade. Os generais de todo o mundo, ameaçados há um ano de aposentadoria definitiva, estão rejuvenescidos com o beijo da História. Se algum deles teve dúvidas sobre a legalidade de uma verdadeira guerra, é banido pela desaprovação pública. Se os magistrados levantam dúvidas sobre a legalidade constitucional da presença das tropas italianas nas operações militares do Golfo, o Presidente da República, guardião dessa legalidade, indigna-se e exorta os audazes a demitirem-se, em vez de abrir a mente para alguma dúvida saudável.
As conquistas jurídicas que conduziram a Humanidade à certeza razoável de que agora a guerra deveria ser relegada às memórias do passado, são evitadas por hipocrisia ou cinicamente renegadas; os homens a favor da paz são demonizados como se fossem terroristas das Brigadas Vermelhas com uma nova pele.
As razões da guerra ultrapassaram a função mundial da ONU e entregaram o destino da Humanidade a uma única potência, que é aquela em que se concilia ao máximo a fusão entre os poderes tecnológicos, militares e industriais.
Se bem que o vulcão já não fumegue, no subsolo da História continuarão a agir, os impulsos irreprimíveis que ameaçam o futuro.
*Extracto do prefácio de Tempestade no Deserto de Daniel Bovet e Manlio Dinucci, Edizione Cultura della Pace, febbraio 1991
A seguir:
Nota da redacção
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
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