24 jun 2017 11:06
Com um longo
historial de incêndios e mais de 120% do território fustigado pelos fogos nas
últimas décadas, o concelho de Mação desenvolveu um conceito de reordenamento
do território florestal e deu armas de defesa e combate às aldeias. No entanto,
a sua visão para o futuro do meio rural não é replicada em Portugal porque
"falta coragem política", critica a autarquia.
Em declarações
à Lusa, António Louro, coordenador da Proteção Civil Municipal, disse que Mação
fez distribuir dezenas de motobombas por todas as aldeias do concelho,
"para um primeiro combate enquanto os bombeiros não chegam", e criou
o sistema McFire, ferramenta informática que permite levar a informação sobre a
zona de combate para o posto de comando e monitorizar o desenvolvimento do fogo
em tempo real.
Com mais de
uma centena de pequenos aglomerados populacionais espalhados pelos 41 mil
hectares do território de Mação, essencialmente florestal, o objetivo da
distribuição de motobombas é "dar alguma capacidade de autoproteção às
populações das aldeias mais isoladas", tendo a autarquia promovido ainda a
criação de grupos de autodefesa.
"O
descontrolo de qualquer incêndio nascente representa um significativo perigo
para as populações e seus bens, sendo que, em 2003, foram muitas as situações
em que os incêndios florestais atingiram as áreas limítrofes e até o interior
de aglomerados populacionais, tendo-se verificado, inclusivamente, situações de
várias aldeias estarem a ser atingidas pelo fogo e sem a presença de viaturas
de bombeiros", observou António Louro.
"Desta
forma todas as aldeias ficaram dotadas de meios que poderão utilizar na sua
autodefesa", destacou o mentor de projetos de prevenção, vigilância e
combate a incêndios de Mação, tendo lembrado que, em situações de fogo, "a
proteção dos aglomerados urbanos e das suas populações sobrepõem-se ao combate
do incêndio florestal, verificando-se, mesmo assim, que os meios no local são
sempre em número inferior às necessidades.
Nesse sentido,
foram entregues a cerca de 80 aldeias do concelho motobombas e respetivos
depósitos com capacidade para 600 litros, e ministradas instruções para o
correto manuseamento e manutenção destes equipamentos.
"Em todos
os aglomerados onde existem coletividades ou associações recreativas, os
equipamentos estão à guarda destas instituições. Nos aglomerados mais pequenos
encontram-se à guarda de cidadãos a título individual", contou aquele
responsável.
Assim, frisou
Louro, "e até à chegada dos bombeiros, a população tem este recurso para
fazer, no mais curto intervalo de tempo, um primeiro ataque às chamas, que na
maioria das situações se revela essencial para o controle e extinção das
mesmas".
Quanto ao
McFire, “é um sistema muito útil no apoio à decisão imediata, porque dá a exata
realidade do que se passa no terreno, transmitindo uma visualização adequada
das áreas de incêndio, da sua possível progressão e da exata localização do
fogo, e que permite fazer a escolha do ponto adequado para ataque a um ponto
de incêndio, ou a determinação do caminho para lá chegar, funcionado
como uma célula de planeamento das intervenções a realizar", destacou.
Por outro,
acrescentou, o sistema MacFire, através da utilização da tecnologia GPS,
"dá a imediata informação sobre a localização de todos os meios terrestres
envolvidos no combate, sabendo-se, a todo o momento, a exata posição de cada
viatura, além de informações para reconstituição histórica e análise" da
ocorrência.
"O
sistema MacFire é muito útil na recolha e gestão de informação para definir a
melhor estratégia para a utilização dos meios de combate disponíveis",
vincou, tendo lembrado ainda a importância das ‘buldozzers’ no combate direto,
estando as duas de Mação equipadas com GPS e rádio.
Segundo
lembrou António Louro, "desde 2003 foi criada a AfloMação, associação dos
proprietários florestais do concelho, foi construída uma rede de caminhos
florestais com mais de 2200 quilómetros, e diversos grandes pontos de água onde
os helicópteros possam atestar, como a lagoa do Bando, que se localiza
exatamente no centro do concelho", elencou.
Além do Plano
Municipal de Ordenamento Florestal, foi ainda implementado um sistema municipal
de vigilância e primeira intervenção, rede de comunicação municipal via rádio,
sinalética florestal, circulares de proteção aos aglomerados urbanos, rede de
faixas de gestão de combustíveis e linhas elétricas, e ainda as duas
‘bulldozers’ sempre prontas a sair nas alturas críticas.
A constituição
do Gabinete Técnico Florestal, postos de vigia e equipamentos de navegação por
GPS em todas as viaturas da Proteção Civil e bombeiros municipais, que permitem
o controlo da sua localização e situação de operacionalidade em tempo real, são
outros elementos elencados por António Louro no conjunto de "ferramentas
fundamentais de combate" aos incêndios.
No entanto,
alertou, e "apesar de todo esta experiência de trabalho no terreno e do
historial de incêndios florestais, Mação não está a salvo de ser assolado por
mais uma catástrofe deste género. Mação e mais de metade do território
nacional", concluiu.
Exemplo
florestal em Mação elogiado em todo o mundo mas em Portugal "falta coragem
política"
"Nos
últimos dez anos já apresentei este projeto mais de 200 vezes em todo o mundo e
já recebemos em Mação cerca de duas dezenas de ministros e secretários de
Estado dos sucessivos governos. Foi uma década perdida. Todos elogiam e dizem
que este é o caminho, mas o tempo passa e tudo está na mesma”, disse à Lusa o
responsável pela proteção civil naquele concelho do distrito de Santarém.
Segundo o
também vice-presidente da autarquia, "falta coragem política para avançar
com o modelo e para testar este projeto-piloto em Mação, que pode ser de
interesse nacional", num investimento na ordem de um milhão de euros, nas
contas do responsável, alertando que o que aconteceu nos grandes incêndios de
Pedrógão [Grande], na passada semana, “pode acontecer amanhã em Mação".
A autarquia de
Mação procura apoios financeiros para implementar há mais de uma década um
conceito de "gestão total" de Zonas de Intervenção Florestal (ZIF),
com novos modelos de gestão do território agrícola e florestal, assente em
minifúndio, numa lógica de agregação funcional da exploração das
potencialidades produtivas, que permitirá partilhar entre todos o rendimento
das áreas mais rentáveis, como o eucalipto, bem como os custos de manutenção
das infraestruturas, como os aceiros.
"É a
única forma de estruturar e ordenar a floresta, visando a criação de riqueza e
a proteção da mesma contra os incêndios florestais", defendeu António
Louro.
A ideia
assenta na "agregação de territórios de minifúndio com um mínimo de mil
hectares, ganhando escala e estruturando empresarialmente o conceito de gestão
do território, com a abertura a fundos de investimento e com solidez jurídica,
respeitando a propriedade privada, e definindo racionalmente modelos de
utilização agrícola e florestal dos espaços".
Com cerca de
41.000 hectares de área, 122 lugares e aldeias onde residem cerca de sete mil e
quinhentas pessoas, 80.000 pequenas propriedades e 95% de área florestal, Mação
viu o seu território ser devastado por incêndios nos últimos 30 anos.
A área ardida
somada da extensa mancha florestal do município ultrapassa, desde 1991,
"já mais de 120% da área do concelho, um verdadeiro cenário de
catástrofe", segundo António Louro.
O cadastro
territorial de Mação identifica mais de 20 mil proprietários de pequenas
parcelas de terreno (minifúndio), com 0,7 hectares de dimensão média.
Desta forma,
frisou, não há território que resista e que seja sustentável ou possa ser
gerador de riqueza, mais a mais quando os seus proprietários emigraram e as
terras estão ao abandono.
"Apesar
da excelência do sistema de proteção civil existente em Mação, estamos
conscientes de que apenas com o reordenamento da paisagem e melhor gestão dos
espaços florestais, poderemos vir, um dia, a estar mais tranquilos",
assinalou.
Vasco Estrela,
presidente da Câmara de Mação, disse, por sua vez, à Lusa estar
"profundamente preocupado" com a "insustentabilidade da coesão
territorial nacional" e "com a falta de respostas e
soluções por parte dos governantes", tendo afirmado que vai fazer uma
exposição do problema ao Presidente da República, lembrando que as recentes
tragédias ocorridas com o incêndio de Pedrógão são "um retrato do
abandono” das terras e das aldeias.
"Em
Mação, o conceito que desenvolvemos centra-se na humanização do território e no
devolver da vida aos territórios rurais de modo a que sejam produtivos e ajudem
a fixar pessoas. Por outro lado, as estatísticas dizem que, em 2040, cerca de
80% das pessoas viverá no litoral. Como é que isto é possível sem que haja um
sobressalto nacional?", questionou.
A visão
integrada de Mação, que "já foi dada a conhecer a dezenas de ministros e
secretários de Estado portugueses", tem merecido a atenção de entidades
internacionais e, inclusive, recebeu prémios como o "Batefuegos de
Oro", em Espanha, além de outras distinções e convites de entidades
ligadas ao desenvolvimento rural espanholas, da Universidade de Santiago de
Compostela, da Hungria e Sérvia, entre outros.
Para António
Louro, "os problemas de Mação e de grande parte do território rural
português têm uma raiz funda e, infelizmente, partilhada por muitas regiões,
não apenas em Portugal, mas também outras regiões rurais da Europa, e são
consequência da saída abrupta, após séculos de permanência, das populações
rurais", observou.
"Temos
hoje um coberto florestal denso, contínuo, altamente inflamável, praticamente
impenetrável, que cobre quase todo o território do concelho de Mação, uma nova
paisagem que existe há poucas décadas e que resulta de grandes alterações
socioeconómicas", apontou, tendo feito notar que "esta nova paisagem
é extremamente propícia a incêndios de grande violência e elevada rapidez de
propagação".
Para aquele
responsável, "não sendo possível mudar o clima e fazer desaparecer as
altas temperaturas, a baixa humidade ou o vento Leste por decreto, resta tentar
reequilibrar a paisagem às condições climáticas".
Apesar de todo
o trabalho realizado, o autarca refere que “ele não é, de modo algum,
suficiente” para que traga segurança completa.
“Os fogos
neste tipo de territórios serão sempre uma enorme preocupação. Estou convicto
que, se formos capazes de colocar em funcionamento as ZIF, acompanhadas pelas
sociedades de gestão de aldeia, com isso reequilibrarmos a paisagem do mundo
rural e o nível de risco e a floresta poderá continuar a ser um motor económico
desta região", afirmou.
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