Tradutor: Manuel B. Baptista
A
medida estava destinada à China, Índia, Japão, Coreia do Sul e Turquia, países
que compram petróleo iraniano e agora têm de enfrentar ameaças dos EUA se
continuarem a fazê-lo. Pode não ter sido uma força militar dos EUA a danificar
os navios transportando petróleo iraniano, mas as suas acções têm o mesmo
efeito e deveriam ser consideradas acções de terrorismo económico.
A
administração Trump também ameaça as companhias de navegação que transportam o
petróleo venezuelano. Duas companhias, uma baseada na Libéria e outra na
Grécia, foram já atingidas com multas por transportar petróleo venezuelano para
Cuba. Não abriu buracos nos navios mas trata-se igualmente de sabotagem.
Quer no Irão, Venezuela, Cuba ou Coreia do Norte ou ainda numa das 20
nações debaixo das sanções dos EUA, a administração Trump tem usado o
seu peso económico para tentar impor mudança de regime ou mudanças importantes
de políticas, em todo o globo.
Mortíferas
As sanções dos EUA contra o Irão são particularmente brutais. Embora tenham
falhado totalmente obter as mudanças de regime desejadas pelos EUA, têm causado
tensões crescentes com parceiros comerciais dos EUA pelo mundo fora e têm
causado um sofrimento terrível ao povo comum no Irão.
Embora os alimentos
e os medicamentos estejam tecnicamente isentos das sanções, as sanções
dos EUA contra os bancos iranianos como o Parsian Bank, o maior
banco não estatal do Irão, tornam quase impossível processar pagamentos para
bens importados e isso inclui alimentos e medicamentos. A escassez resultante
em medicamentos é responsável por ter causado milhares de mortes no Irão e as
vítimas são normalmente pessoas comuns, não os Aiatolas nem os ministros do
governo.
A
media corporativa nos EUA tem sido cúmplice com a pretensão de que as
sanções dos EUA são um meio não violento para criar pressão sobre os governos
visados com vista a forçá-los a uma determinada mudança
de regime democrática. As notícias dos EUA raramente mencionam o seu
impacto mortífero sobre as pessoas comuns, antes culpando as crises económicas
resultantes apenas nos governos que estão sendo sancionados.
O impacto
mortífero das sanções é evidente na Venezuela, em que as sanções económicas
severas atingiram a economia que já se ressentia da baixa dos preços do
petróleo, da sabotagem pela oposição, pela corrupção e pelas más políticas
governamentais.
Um
relatório conjunto anual elaborado por três universidades venezuelanas em
2018 mostrou
que as sanções dos EUA eram em grande parte responsáveis por pelo
menos umas 40 mil mortes adicionais nesse ano. A Associação Venezuelana
Farmacêutica noticiou que havia uma carência de 85% dos medicamentos essenciais
em 2018. Na ausência de sanções dos EUA, a retoma do nível global dos preços do
petróleo em 2018 teria trazido pelo menos uma ligeira subida a economia na
Venezuela e mais adequadas importações de comida e de medicamentos.
Em
vez disso, as sanções financeiras dos EUA impediram a Venezuela de rolar as
suas dívidas e privaram a indústria petrolífera de dinheiro fresco para compra
de peças, para reparações e para novos investimentos, causando ainda mais
dramática quebra na produção de petróleo, relativamente a outros anos em que havia
baixos preços de petróleo e depressão económica.
A
indústria petrolífera fornece 95% das receitas externas da Venezuela, portanto,
ao se estrangular a sua indústria de petróleo e cortando a Venezuela do crédito
internacional, as sanções previsível e intencionalmente capturaram a população
venezuelana numa espiral descendente mortal.
Um estudo por Jeffrey Sachs e Mark
Weisbrot para o Centro de Investigação de Economia e Política intitulado “Sanctions
as Collective Punishment: the Case of Venezuela,” [Sanções como
Punição Colectiva; o Caso da Venezuela] relataram que o efeito combinado das
sanções de 2017 e de 2019, têm a consequência de um impressionante declínio de
37,4% no PIB real da Venezuela em 2019, no seguimento de um declínio de 16,7%
em 2018 e somando-se a uma
quebra para lá de 60% nos preços do petróleo em 2012 e em 2016.
Ilegal
Uma
das características mais destacadas das sanções dos EUA é seu alcance
extraterritorial. Os EUA penalizam os negócios de terceiras partes com
penalidades por «violar» as sanções americanas.
Quando
os EUA abandonaram unilateralmente o acordo nuclear e impuseram sanções, o
Departamento do Tesouro vangloriou-se de
que, apenas num dia, a 5 de Novembro de 2018 sancionou mais de 700 indivíduos,
entidades, companhias aéreas e marítimas fazendo negócios com o Irão.
No
que respeita à Venezuela foi
noticiado pela Reuters que, em Março de 2019 o Departamento de Estado
deu “instruções a empresas e refinarias ao nível mundial para cortar os
fornecimentos de petróleo venezuelano ou serem elas próprias a sofrer sanções,
mesmo no caso das compras efectuadas não serem proibidas pela lista publicada
de sanções dos EUA.”
Uma
empresa de petróleo queixou-se à Reuters, “Este é o modo de operar dos EUA nos
dias de hoje e depois telefonam-nos para dizer que também existem
regras que eles também querem que nós observemos.” Os membros do governo
dos EUA dizem que as sanções irão ser benéficas para os povos da Venezuela e do
Irão, ao levá-los a insurgirem-se e a derrubar os seus governos.
Visto que o
recurso à força militar, aos golpes e operações encobertas para derrubar
governos estrangeiros têm sido comprovadamente catastróficas no
Afeganistão, no Iraque, no Haiti, na Somália, nas Honduras, na Líbia, na Síria,
na Ucrânia e no Iémene, a ideia de usar a posição dominante dos EUA e o dólar
nos mercados financeiros internacionais como forma de «soft power» e assim
conseguir mudanças de regimes, pode ser uma tentação de políticos dos EUA como
forma mais fácil de coerção e mais fácil de convencer um público doméstico
cansado de guerras e aliados hesitantes.
Mas
mudar do «choque e medo» do bombardeio aéreo e da ocupação militar para os
silenciosos meios causadores de mortes por doenças curáveis, por desnutrição e
por pobreza extrema está longe de ser uma opção humanitária e não é mais
legítima do que o uso da força militar à luz do Direito Internacional.
Denis
Halliday era auxiliar do Secretário Geral da ONU que serviu como coordenador
humanitário no Iraque e demitiu-se da ONU, em protesto pelas sanções brutais
contra o Iraque em 1998. “Sanções pontuais, quando impostas pelo Conselho de
Segurança ou por um Estado sobre um país soberano são uma forma de guerra, um
instrumento grosseiro que inevitavelmente pune cidadãos inocentes” segundo
Denis Halliday. “Mas se estas são deliberadamente alargadas então o seu
resultado mortífero é conhecido, neste caso as sanções podem ser consideradas
genocídio. Quando a embaixadora dos EUA, Madeleine Albright, disse no programa
da CBS ‘Sixty Minutes’ em 1996 que a morte de 500.000 crianças iraquianas para
tentar derrubar Saddam Hussein «se justificava», a continuação das sanções da
ONU, contra o Iraque, estão de acordo com a definição de genocídio.
”Hoje,
dois Relatores Especiais da ONU nomeados pelo Conselho da ONU dos
Direitos Humanos são entidades sérias e independentes e avaliam o impacto das
sanções dos EUA sobre a Venezuela e as suas conclusões gerais aplicam-se
igualmente ao caso do Irão. Alfred De Zayas visitou a Venezuela pouco depois
dos EUA terem imposto sanções financeiras em 2017 e redigiu um relatório
extenso sobre o que viu aí. Detetou impactos significativos devido à
dependência de longo prazo da Venezuela em relação às exportações de petróleo, à
fraca eficácia governativa e à corrupção, mas também condenou fortemente os EUA
pelas suas sanções e «guerra económica».
«As sanções económicas e os
bloqueios, nos dias de hoje, são comparáveis com os cercos de cidades na
idade-média» escreveu De Zayas «As sanções do século vinte e um, tentam
por de joelhos não apenas uma cidade, mas países inteiros».O relatório de De
Zayas recomendava que o Tribunal Penal Internacional deveria investigar as
sanções dos EUA contra a Venezuela, como um crime contra a humanidade.
Um
segundo Relator Especial da ONU, Idriss Jazairy, produziu uma declaração vinculativa em
resposta ao golpe falhado de Janeiro, apoiado pelos EUA, na Venezuela. Condenou
a «coerção» através de poderes externos como uma «violação das normas do
Direito Internacional». «Sanções que podem levar à fome em massa e a carências
de meios médicos não são a resposta à crise na Venezuela,” disse Jazairy,
“…provocar uma crise económica e humanitária … não é um ponto de partida para
solução pacífica de disputas.”
As
sanções também violam o Artigo 19 da Carta
dos Estados Americanos, a qual é explícita na proibição de
intervenções “seja por que motivo for, nos assuntos internos ou externos de
qualquer outro Estado.” Acrescenta que “proíbe não só a intervenção
armada mas também qualquer outra forma de interferência ou ameaça tentada
contra o Estado ou contra os seus elementos políticos, económicos e culturais.”
O
Artigo 20 da Carta da OEA é igualmente pertinente: “Nenhum Estado pode usar ou
encorajar o uso de medidas coercivas de carácter económico ou político em ordem
a forçar a vontade soberana de outro Estado e obter assim quaisquer tipo de
vantagens” Nos termos da lei dos EUA, tanto as sanções de 2017 como 2019 contra
a Venezuela são baseadas em declarações presidenciais não substanciadas de que
a situação na Venezuela criou uma «emergência nacional» aos Estados Unidos.
Se
os tribunais federais dos EUA não tivessem tanto medo de chamar à
responsabilidade o ramo executivo em matérias de política externa, tal poderia
ser desafiado e posto em causa, muito provavelmente, com ainda mais rapidez do
que caso semelhante, o caso
da «emergência nacional» na fronteira do México, pelo menos neste caso
estava geograficamente conectado ao território dos EUA.
Ineficaz
Existe
ainda mais uma razão importante para poupar as pessoas do Irão, Venezuela e
outros países selecionados, a este impacto mortífero e ilegal das sanções
económicas dos EUA: não funcionam.
Há
vinte anos, quando as sanções económicas, retiravam 48% do PIB do Iraque,
durante 5 anos e os estudos sérios documentavam o seu efeito genocidário, tais
sanções não removeram Saddam Hussein do poder. Dois Assistentes dos Secretário
Geral da ONU, Denis Hallida e Hans Von Sponeck, demitiram-se em protesto, das
suas posições altamente colocadas na ONU, para não terem de por em prática
estas sanções mortíferas.
Em 1997, Robert Pape, então professor no Colégio de
Dartmouth, tentou resolver as questões mais básicas no que respeita ao uso de
sanções económicas para conseguir mudanças políticas noutros países, tendo para
tal coligido e analisado dados históricos de 115 caos em que tal fora tentado
entre 1914 e 1990. O seu estudo intitulado “Why
Economic Sanctions Do Not Work,”[Porque é que as Sanções Económicas Não
Funcionam] concluiu que as sanções só tinham sido bem sucedidas em 5 de 115
casos.
Pape
colocou também uma questão importante e desafiadora: “Se as sanções económicas
são raramente eficazes, porque é que os Estados continuam a usá-las?” Ele
sugeriu três possíveis respostas:
Ø “Os
responsáveis políticos que impõem as sanções sobrestimam sistematicamente a
eficácia das sanções como meios coercivos.”
Ø “Os
líderes que estão inclinados em último recurso a usar a força armada esperam
que as sanções prévias tenham o efeito de aumentar a credibilidade das ameaças
militares subsequentes.”
Ø “A
imposição de sanções confere aos líderes vantagens domésticas maiores do que
negar os apelos a sanções ou ter recurso à força.”
Pensamos
que a resposta possa ser uma combinação de todas as opções anteriores. Mas
estamos firmemente convictos de que nenhuma combinação das razões acima
mencionadas ou outro raciocínio, possam jamais justificar o custo humano
genocidário das sanções económicas no Iraque, Coreia do Norte, Irão, Venezuela
ou em qualquer outro lugar.
Enquanto
o mundo condena os recentes ataques contra os petroleiros e tenta identificar
os responsáveis, as condenações globais deveriam também incidir sobre a nação
responsável pela guerra económica mortífera, ilegal e ineficaz, que está no
cerne desta crise: Os Estados Unidos da América.
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