Wednesday, December 11, 2019

PT -- John LaForge -- O Juiz que criticou o “culto da Bomba”


Miles Lord YouTube
O Juiz Miles Lord era um protector dos fracos e dos oprimidos. (Youtube)

Uma opinião digna de nota, dado que há mais activistas da paz que enfrentam sentenças.
Numa dada circunstância, o Juiz do Distrito Federal, Miles Lord, que faleceu em 10 de Dezembro de 2016, aos 97 anos de idade, poderia ter-me aplicado uma sentença de dez anos. Longe disso, o famoso Juiz sem rodeios, que era conhecido por proteger as pessoas comuns de crimes associativos e de desacatos, usou o caso anti-nuclear que um grupo nosso apresentou perante ele, para proferir uma condenação notavelmente irónica sobre armas nucleares e sobre a corrupção que as protege.
Em 10 de Agosto de 1984, Barb Katt e eu, provocámos um estrago de mais de 36.000 dólares nos computadores de controlo de lançamento que estavam a ser construídos para os submarinos Trident, pela Sperry Univac (agora Unysis) em Eagan, Minnesota. Foi a nona de uma série de 100 acções denominadas Plowshares, que planeamos durante dois anos.
Depois de entrar na fábrica Sperry, vestidos como executivos, usamos martelos domésticos para espatifar dois dos computadores de orientação de mísseis da empresa que estavam em construção.
Nós “especificámos” os destroços, derramando sangue sobre eles porque, como disse a filósofa Simone Weil, “as armas nucleares matam sem serem usadas, forçando as pessoas a passar fome”.
Não fugimos, mas ficámos à espera das autoridades, explicando aos trabalhadores que estavam na sala, que desactivámos parte das máquinas de guerra nuclear de ‘first strike’, do governo.
Um trabalhador disse mais tarde, como testemunha: “Ouvi a palavra 'Trident', mas não sei o que ela significa”.
Star Tribune headline from LaForge archives
Um recorte da notícia do Star Tribune, de 1984, sobre LaForge e Kate, dos arquivos do autor.
Fomos acusados da prática do crime de “vandalismo” e fomos condenados por um júri, após um julgamento de três dias. Enfrentando uma pena máxima de 10 anos de prisão, mediante a sentença de 8 de Novembro, Barb e eu pedimos ao Juiz Miles Lord que denunciasse com ousadia os preparativos de guerra nuclear dos EUA, que eram então de conhecimento comum. O Juiz Miles Lord fez exactamente isso.
Com o governo federal actualmente, a levar a cabo um programa de modernização de armas nucleares de um trilião de dólares, semelhante ao que Ronald Reagan estava a supervisionar, em 1984, a crítica impressionante do Juiz Miles Lord ao militarismo empresarial criminoso é tão oportuna como sempre. Estas são as observações de sentença dada pelo Juiz, conforme relatado na transcrição oficial:
“A alegação destes jovens é que eles cometeram os actos aqui expostos como um apelo desesperado ao povo americano e ao Governo, para interromper a loucura militar que eles acreditam sinceramente, que irá destruir todos nós, amigos e inimigos.
 “Eles argumentaram, de modo plausível, que o Direito Internacional proíbe o que nosso país está a fazer através do fabrico de armas de destruição em massa.
 “Ao reflectir sobre o castigo a ser dado a estas duas pessoas que tentavam eliminar armas de destruição em massa, devemos interrogar-nos:
Será que os que fabricam armas para matar estão empenhados num empreendimento mais santificado do que aqueles que, pelos seus actos, tentariam aconselhar a moderação e a mediação, como método alternativo para resolver as disputas internacionais?
Por que estamos tão fascinados por um poder tão grande que não podemos compreender a sua magnitude?
O que há de tão sagrado numa bomba, ou de tão romântico num míssil?
Por que razão condenamos e enforcamos assassinos individuais, enquanto exaltamos as virtudes dos criadores da guerra?
Qual é o fascínio fatal que nos atrai para o pensamento da destruição em massa dos nossos irmãos de outro país?
Por que motivo podemos considerar o pensamento de que todas as pessoas de um lado de uma linha imaginária devem morrer - e se formos tão ímpios e cínicos ao ponto de aceitar esse pensamento - por que motivo é que não ponderamos o facto de que, ao executar esse decreto, também morreremos?
Quem arquitecta estas linhas e quem é que assim decretou?
Quantas pessoas nesta democracia reflectiram seriamente sobre a futilidade de cometer um suicídio nacional para punir os nossos adversários?
Temos tão pouca fé no nosso sistema de livre iniciativa, no nosso capitalismo e nos conceitos fundamentais que são ensinados nas nossas constituições e nas nossas diversas Bíblias, que, para nos protegermos da propagação de ideologias estrangeiras, devemos estar preparados para morrer pelas nossas próprias mãos?
Tal pensamento indica muita falta de fé na nossa democracia, no nosso corpo político, no nosso povo e nas nossas instituições.
“Há indivíduos, em altos cargos, que acreditam que o Armageddon voltará em breve e que, dentro em pouco, Cristo voltará à Terra e levar-nos-á todos de volta com Ele para o céu. Parece que muito do nosso esforço nacional está a ser dedicado a facilitar o processo. Pode até ser uma espécie de celebração. Quando as bombas explodirem, Cristo não terá que vir à Terra. Todos nós, crentes e não crentes, encontrá-Lo-emos a meio do caminho.
 (“Acredito que os pobres são abençoados e que temos o dever de ajudá-los”, disse o Juiz Miles Lord num pequeno vídeo de 2017 sobre ele, mostrado acima.)

 “A anomalia desta situação é que sou chamado aqui para punir dois indivíduos acusados de terem causado danos a bens de uma empresa no valor de 36.000 dólares. É a mesma empresa que, há apenas alguns meses atrás, foi acusada de desviar indevidamente do Governo dos EUA, a soma de 3.6 milhões de dólares.
 “Os funcionários desta empresa conseguiram aumentar os lucros empresariais, manipulando os livros de maneira errada e criminosa. Como estes indivíduos eram todos funcionários de uma empresa, parece que não ocorreu a ninguém no Departamento da Procuradoria Geral dos Estados Unidos que as acções desses indivíduos constituíssem uma conspiração criminosa pela qual deveriam ser punidos. O governo exigiu, somente, que a Sperry pagasse apenas 10% do valor pelo qual a empresa tinha sido ilegalmente enriquecida.
 “Será que esses empresários que estavam a trabalhar para construir armas de destruição em massa, receberam tratamento especial devido à natureza de seu trabalho?
 “Também sou convocado para determinar a quantidade de restituição a ser exigida a estes dois indivíduos que causaram danos aos bens da Sperry. As informações financeiras obtidas pelo Departamento Jurídico indicaram que nenhum dos réus deve dinheiro a ninguém. Embora a Snra. Katt não possua bens pessoais avultados, o Snr. LaForge é comparativamente mais bem dotado. É dono de um Volkswagen de 1968, de uma guitarra, de um saco de dormir e de 200 dólares em dinheiro.
 “A pressão inexorável gerada por aqueles que se dedicam a ganhar a vida e lucrar com a construção de equipamentos militares, e as somas ilícitas(‘luvas’) que acontecem nos corredores do Congresso, a fim de obter mais contratos desse tipo para cada estado, consumir-se-ão no máximo, num holocausto atómico. Estes mesmos factores exercem uma forte pressão sobre um Juiz Federal na minha posição, para concordar com a teoria de que há algo sagrado numa bomba e que, aqueles que levantam as vozes ou as mãos contra ela, devem ser derrubados como inimigos do povo, apesar de que, nos seus corações, sintam e saibam que são amigos do povo.
 “Uma conduta deste tipo não pode ser tolerada sob o disfarce de liberdade de expressão. Nem deve ser totalmente condenada como subversiva, traidora ou traiçoeira, catalogada na categoria de espionagem ou noutras coisas impróprias. Neste caso, eu tiraria o aguilhão da bomba, tentaria de alguma maneira, forçar o governo a remover a auréola com a qual parece dotar qualquer dispositivo que possa matar e colocar nela uma mortalha, a mortalha da morte, da destruição, da mutilação, da doença e da debilitação.
 “Se houver uma reacção adversa a esta sentença, aguardarei ansiosamente os protestos daqueles que se queixam das minhas tentativas de corrigir o desequilíbrio que agora existe num sistema que opera de maneira a fornecer um tipo de justiça para os ricos, e um tipo de justiça menor para os pobres, um padrão para os poderosos e outro para os mansos, e um sistema que considera que a sua humanidade e objectividade é louvada e glorificada pela loucura militar e pelo adoração da Bomba.
 “Um Juiz que preside a este julgamento, como eu,  não é convocado para fazer aquilo que é politicamente correcto ou popular, mas é instado a exercer um julgamento calmo e deliberado da maneira mais adequada para realizar, acomodar e reivindicar os direitos das pessoas que actuam através do seu governo, e os direitos das pessoas que são objecto de tais acções. O que seria mais popular fazer, neste momento específico, seria condenar [Katt e LaForge] a um período de 10 anos de prisão, e alguns juízes podem estar dispostos a fazê-lo.
 [Então, as sentenças foram impostas: seis meses de prisão, suspensa, com seis meses de liberdade vigiada.]
 “Também estou ciente do poder do argumento, que diria que esta sentença encorajaria outras pessoas a fazerem o mesmo. Se outros fizerem o mesmo, devem ser questionados nesse momento. Também estou impressionado com o argumento de que esta mesma sentença pode, de alguma forma, constituir uma sentença absurda, que [Katt e LaForge] não foram punidos adequadamente porque alguns outros podem não ser dissuadidos de fazer [o que eles fizeram]. Realmente interrogo-me sobre a constitucionalidade de condenar uma pessoa por um crime que pode ser cometido por outra pessoa, noutro momento e noutro local.
 “Também é difícil para mim comparar a sentença que aqui vos dou - por destruir bens no valor de 36.000 dólares, porque vocês foram processados – com a situação daqueles que roubaram 3,6 milhões de dólares e não foram processados, nem destituídos, nem punidos de alguma maneira. A minha consciência está limpa. Declaro encerrada a presente sessão.”
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John LaForge, publica e difunde a PeaceVoice, é co-Director do Nukewatch, um grupo de justiça ambiental e de paz em Wisconsin, e é co-Editor com Arianne Peterson, de Nuclear Heartland, Revised: A Guide to the 450 Land-Based Missiles of the United States./ Nuclear Heartland, Revisado: Um Guia para os 450 Mísseis Baseados no Solo dos Estados Unidos.

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
Webpage: NO WAR NO NATO

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